Era
a época mais quente do ano, a região de Alola nunca esteve tão cheia de
turistas e grandes treinadores vindos de fora, era como se por um instante
aquele conjunto de ilhas isoladas em algum lugar do oceano subitamente voltasse
para os mapas e todas as pessoas do mundo decidissem passar as férias de fim de
ano no paraíso.
Um
velho senhor saiu para a varanda abanando o rosto, sentou-se em sua cadeira de
balanço que rangeu com seu peso, depois tirou os chinelos e esticou as pernas
sobre a mesinha de centro. Ligou um rádio bem antigo — um presente de uma
amiga estimada —,
mas o aparelho estava tão acabado que
demorou a funcionar. Nunca aprenderia a mexer naqueles novos equipamentos
eletrônicos, não substituiria por nada suas antigas preciosidades. Após dois
tapas, o rádio ligou em uma estação de músicas antigas e o velho foi tomado pelo
alívio, relaxando em frente ao mar.
Verão
de 76. Aquela música trazia algumas boas lembranças.
Passara
uma vida inteira apreciando aquela paisagem, agora que já completara meio
século de vida concluiu que jamais se enjoaria dela.
A
tranquilidade foi perturbada quando um jovem de cabelos esverdeados apareceu
correndo pela estrada com sua mochila nas costas. Sua inquietação era tamanha
que ele embaralhou-se todo em suas palavras, sem saber se corria para não
perder o horário ou se se despedia de forma adequada de sua família.
— Vovô, estou saindo com meus amigos! Nós vamos ao
aquário da ilha vizinha em uma excursão da escola! — o garoto saiu correndo no
mesmo instante, depois voltando ainda apressado e foi direto para dentro de
casa. — Será que a vovó preparou algum lanche para a viagem? Será que estou
esquecendo alguma coisa? Droga, por que fui deixar tudo para última hora?
— Aproveite a viagem— respondeu o velho com uma risada.
Sempre se divertia muito com as visitas do neto.
Hau carregava duas sacolas de comida suficiente para um batalhão
inteiro. Apesar da pressa, deu meia volta e lembrou-se de dar um beijo no rosto
de seu avô antes de seguir na viagem.
— Eu te amo, vovô. Obrigado por estar passando as férias
de verão comigo!
Uma senhora observava da varanda, ela tinha quase 70
anos, mas não demonstrava nem metade de toda aquela idade. Ainda era forte e
saudável, devia ter sido de uma beleza invejável no passado.
— Eles estão indo para o aquário — o velho fez que sim
com a cabeça e a senhora deu um sorriso. — Eu ainda me lembro de quando eu
trabalhava lá.
— Foi onde nos conhecemos a primeira vez, Alikia. Você
ficava linda naquela roupa de mergulho, mas demorei para criar coragem e te
contar.
— Você nem tinha idade para dar em cima de uma mulher
velha, seu bobinho.
— Tudo acontece ao seu tempo — o velho homem riu. — Hoje
tenho sorte de ter-me casado e tido filhos com uma mulher honesta e gentil como
você.
— Eu ainda me lembro daquela sua Popplio que você não
sabia que era fêmea.
— É... A Senhorita Chefe. Faz tanto tempo...
Sua esposa voltou para a cozinha, estava assando uma
lagosta deliciosa para um jantar especial à noite, por isso pediu que uma
Tsareena a ajudasse nos preparos.
— Candy, poderia ir até a padaria para comprar alguns
ingredientes para mim? Hoje à noite nossa sobrinha Phoebe vai chegar, quero que
ela aproveite ao máximo sua estadia.
Aquela linda Tsareena era a mesma que um dia fora
resgatada após o incidente no Sunset
Circus. Ela continuou a viver com a família Kameahookohoia por mais de
quatro décadas, e ainda esbanjava charme apesar de algumas de suas flores terem
perdido o brilho rosado.
A Tsareena saía de casa com seu dinheirinho contado
quando um carteiro apareceu de bicicleta e a cumprimentou de relance. O velho sentado
na cadeira o viu de longe, mas não fez muita questão de levantar-se.
— Senhor Hala Kameahookohoia? Encomenda para
o senhor.
O
velho fez um sinal com a mão para que o carteiro deixasse as cartas e o pacote em
frente à casa. A maioria delas eram contas, mas havia surpreendentemente uma pertencente
à sua irmã Miliani.
Fazia
anos que não a via, a última vez devia ter sido há pelo menos três anos quando sua
família visitou Alola nas férias de Janeiro. A carta demonstrava a clara
preocupação de uma irmã mais velha que, mesmo após tanto tempo, sempre se preocuparia
com seu irmãozinho onde quer que ele esteja. Junto do envelope havia também uma
linda foto da família completa: Miliani, seu marido Dylan e a filha Phoebe.
— Olha só como cresceu... — falou Hal, sorrindo ao
observá-la.
Sua irmã se casou com Dylan e teve uma filha que
tornou-se não apenas uma treinadora competente, mas uma integrante da Elite dos
4 na região de Hoenn. Alola nunca teve uma Liga Pokémon, então Hala não
compreendia muito bem como funcionavam as responsabilidades de um integrante,
mas sabia que sua sobrinha fazia questão de tirar um tempo de folga para
descansar com o tio em Alola.
Mili ainda vivia em Hoenn com seu marido, ela raramente
saía de casa agora. Já estava velha e viajar de avião se tornara uma tarefa complicada,
gostava mandava cartas para o outro lado do mundo e dizia com insistência como
sentia falta de sua juventude e infância naquele lugar.
Após terminar de ler a carta, pegou o pacote e logo pensou
tratar-se de uma pedra ou artefato raro que Dylan adorava enviar em nome da
Corporação Devon. Hala sempre gostou de colecionar quinquilharias, mas já
passara grande parte da coleção para o neto Hau que fazia melhor uso daqueles
artefatos como treinador — nunca imaginou que passar tanto tempo no oceano
juntando Heart Scales seria de alguma
utilidade! O pacote era pesado e muito bem embalado, como se sua carga fosse da
mais importante prioridade. Ao abri-lo, seu coração disparou ao perceber que
havia um ovo Pokémon ali dentro. Junto dele havia uma nota escrita por Miliani:
“Ei, maninho. Como é que você tem passado?
Mês passado a Phoebe nos convidou para ir ao circo, ela
sabe como eu adoro, mas para ser sincera nunca mais visitei nenhum desde aquela
nossa triste experiência (ainda tenho a impressão de que eles maltratam os
Pokémon em segredo), mas dessa vez fui convencida do contrário. Nesta
apresentação, me surpreendi com o fato de que havia uma Primarina como artista
principal, e adivinhe, era a Senhorita Chefe, a própria! Exatamente a mesma
Popplio que você tinha quando era criança. Ela cresceu e se tornou um Pokémon
belíssimo. Fico feliz que você a ajudou a seguir seu sonho, as aulas de teatro
valeram a pena, tenho certeza de que ela realizou todos seus anseios.
O nome do circo onde a Chefe trabalha chama-se “O
Emblema do Oceano”, eles passarão uma temporada em Kanto e disseram-me que logo
estariam em Alola. Você precisa ir assisti-la. A Chefe ficaria orgulhosa. Semana
passada fui surpreendida por um dos organizadores do circo que me entregou este
ovo, ele disse que a Primarina gostaria que eu ficasse com um filhote dela,
como agradecimento por todos os cuidados que prestamos. Fiquei muito surpresa com o fato dela lembrar-se da gente, até chorei de emoção e peço desculpas por isso, sei que você não suporta me ver chorar. Quero que você cuide
desse pequeno Pokémon que virá a nascer como se fosse de nossa família, aposto que meu sobrinho Hau iria adorá-lo, ou quem sabe algum treinador em quem você
confie com todo seu coração. Tenho certeza que você saberá.
Beijos para todos!
Comporte-se.
Mili”.
Hala ficou tão emocionado com a surpresa que todas as
lembranças de sua infância de repente vieram à tona: tomar sorvete na VaniDelluxe
e escolher um dentre tantos sabores diversos; infiltrar-se no Esconderijo de
Ika e Uko para conseguir alguns trocados; voar nos costas de um Drampa; almoçar
com sua família; mergulhar na Baía do Rei... Que tempo bom! As lembranças boas
superavam todas as ruins.
Hoje a sorveteria já não existia mais. A construção deu
espaço para um prédio luxuoso que recebia turistas.
O majestoso Mantine da Baía do Rei partiu em sua
migração para as águas quentes de Hoenn e nunca mais voltou, mas deixou para
trás seus filhotes, diversos Mantykes que um dia viriam a crescer e se
tornariam tão grandiosos quanto o Rei original.
Ika e Uko levaram a vida intensamente, como sempre
fizeram. Arranjaram confusão e tentaram alguns trabalhos aqui e ali. Foram os amigos mais próximos
de Hal até o fim, fizeram muitas visitas aos sábados e foram motivo de muita risada com suas histórias e enrascadas. Quando Uko faleceu de infarto, Hala dizia que seu coração era tão grande que não cabia dentro dele. Ika, por sua vez, tinha um cérebro tão genial que alguém lá em cima precisou dele. Era triste pensar que seus dois amigos de
infância partiram tão antes dele, mas Hal se conformava quando os imaginava em algum lugar no
céu comendo pizza de pepperoni à vontade enquanto brincavam com Dia.
Hala também teve de se despedir de seu Rockruff quando ainda
era moço. Nunca aceitou o fato de que os animais tinham de partir
tão cedo. O pequeno Diamante foi enterrado em uma colina distante que mais
tarde foi apelidada de Ten Carat Hill,
seu túmulo ficava muito florido na primavera.
Kailani continuou o resto de sua vida na ilha. Ela teve muitos relacionamentos intensos, mas nenhum deles foi
duradouro. Quando sua irmã foi embora para Hoenn, foi Kailani quem cuidou de
Hal como se fosse um irmãozinho e nunca deixou de estar ao seu lado. Mesmo
depois de velha ela continuava linda, procurava manter-se sempre em forma e
saudável, tinha a disposição de uma jovem e ainda causava invejava nas mais
novas. Hala dizia que sua arma nunca envelhecera.
Ainda se sentia culpado por ter contado que sua irmã e Dylan se beijaram numa noite qualquer. Era como se ele fosse o responsável por ter acabado com o amor mais bonito e sincero já visto, talvez hoje as duas ainda poderiam estar juntas e ele teria ambas para sempre ao seu lado, onde estariam protegidas — afinal, juntas elas eram invencíveis — mas quando separadas, era como se toda a força se seguisse numa direção oposta até se romper. Já faziam 5 anos desde o enterro. Quando era menino,
costumava acreditar que Kai e Mili eram como sol e lua, e sempre estariam lá em cima não importa quanto tempo passe; mas mesmo os astros
no espaço um dia deixam de brilhar. Sentia falta de muitas coisas nessa vida,
mas nada se comparava à falta que sentia delas.
“Kai, você é a
mulher mais linda que já conheci. Você foi a maior inspiração para minha vida”,
lembrava-se de ter dito em seu enterro, só nunca se desculpou por nunca falar
isso a ela quando ainda era viva.
Hala acariciava o ovo em seu colo quando murmurou para
si mesmo:
— É... O tempo passa...
Estava ficando velho, sua função nessa história estava
para terminar. Talvez tudo que passou ao lado das pessoas era
o que importava. Sua Ohana. Teve uma
vida simples, mas muito feliz.
Ainda naquela noite, Phoebe chegou de avião para a
visita aos seus tios. A Dona Alikia preparou um jantar com muito capricho,
talvez tantos anos trabalhando no aquário a ensinaram a saber como escolher os
melhores peixes para servir.
Os quatro se sentaram à mesa e conversaram durante
horas, Phoebe compartilhava suas experiências como membro da Elite e Hau se
encantava com a ideia de que ainda naquele ano estaria finalmente começando sua
jornada como treinador.
— E então os Wishiwashis se juntaram e se transformaram
e uma forma gigantesca e monstruosa! Como isso é possível? Um bichinho tão
pequeno se tornar algo tão ameaçador?
— Os Wishiwashi se juntam em cardumes como forma de
proteção, querido — explicou-lhe sua avó. — Mesmo pequenos e inofensivos,
quando trabalham em grupo são capazes de derrubar até mesmo a maior das
barreiras.
— Visitar o aquário foi incrível, mal posso esperar pela
próxima — animou-se Hau, dando uma garfada em sua lagosta. — Ei, Phoebe, pode passar
o refrigerante?
Sem que ela movesse um dedo, a garrafa misteriosamente
levitou no ar e foi em direção do copo. Hau sorriu encantado, sempre se
divertia com aqueles truques feitos pelos Pokémons fantasmas de sua prima.
— Isso é tão maneiro! Um dia quero ser forte que nem
você!
— Ah, vocês não fazem ideia de como é exaustivo
trabalhar na Liga... — disse Phoebe com um suspiro. — Tenho que aguentar aquele
mala sem alça do Sidney o tempo inteiro, sem contar os compromissos constantes,
acho que fico mais tempo sentada do que treinando Pokémons fantasmas... Tem
dias que não sinto meus pés. Mas pelo menos agora estou aqui com vocês, e isso
faz tudo valer a pena!
Hau comia com gosto quando percebeu que seu avô estava
estranhamente quieto.
— Vovô, aconteceu alguma coisa? Como posso te animar?
Hala sorriu, porque algumas vezes os mais novos não entendem
o motivo dos velhos ficarem tanto tempo em silêncio.
— Só estava pensando em algumas coisas. E como está sua
mãe, Phoebe?
— Ah, cansada, como sempre... Ela sente muita falta de
Alola, mas agora o trabalho não dá nenhuma folga. Ela disse que assim que se
aposentar vai passar um tempão aqui com o senhor, nem que para isso precise
deixar o Dylan em Hoenn para que ele cuide dos negócios da família. Ela precisa
mesmo é de um banho de água salgada, para se limpar de todas as impurezas.
Mamãe tem andado muito estressada...
— Sua mãe é forte. Ela aguenta — respondeu Hala, tomando
um gole de seu drink antes de ser novamente interrompido por seu neto que não
parava de falar.
— Vovô, quando é que você vai começar a entregar os
iniciais para os novos treinadores que estarão chegando em Alola? Eu vou ganhar
um também? Posso escolher ou vou ter que ficar com o que tiver desvantagem?
— Em breve, meu garoto, em breve. Houve um pequeno
atraso porque eu ainda estava me decidindo qual seria o inicial aquático, mas
acho que já o encontrei.
— E quem são os treinadores que estarão se mudando para
cá? Eles são legais? É um menino ou uma menina?
O velho Hala riu e bagunçou os cabelos do menino.
— Você faz perguntas demais, mas em breve vai ter uma
resposta para cada uma delas. Por hora, vão se trocar e se preparem para o rito
de passagem do ano. A Phoebe vai dançar lá em cima com direito a show de
Marowaks e muita comida!
— O senhor vai dançar também, vovô?
Alikia riu só de imaginar a imagem de seu marido
dançando com todo aquele peso.
— Estou meio velho para essas coisas, veja só, ai, ai, minhas
costas... — ele tentou disfarçar.
Hala aprendeu com sua irmã que um lar só
recebe esse título quando as paredes já são cheias de marcas e rabiscos que
registram o crescimento das crianças, xícaras e pratos com lascas quebradas, e
muitos quadros repletos de saudade na sala.
Muitos anos se passaram até que ele
compreendesse que “lar” nem sempre precisar ser um lugar — podiam ser pessoas para quem seu coração se dirige quando se está
cansado, amigos que o acolhem independente de onde estiver. Talvez por isso
sempre sentiu um estranho aconchego diante de seu “lar”, não importa aonde estivesse,
fosse num universo existente ou não, nesta ou vida ou em outra.
As coisas mais importantes da vida eram tão simples que podiam ser expressadas em algumas poucas palavras — amor, carinho e família. O Sr. Hala cresceu ouvindo isso e estava feliz por ter perto de si cada uma delas.
As coisas mais importantes da vida eram tão simples que podiam ser expressadas em algumas poucas palavras — amor, carinho e família. O Sr. Hala cresceu ouvindo isso e estava feliz por ter perto de si cada uma delas.