O sol ameno e agradável iluminava e deixava uma sensação de
aconchego nos cidadãos da cidade de Saffron, na região de Kanto. Nas calçadas,
as pessoas circulavam de um lado para o outro, preocupadas com seus afazeres
individuais naquele lugar tão movimentado. Carros buzinavam disputando espaço
nas ruas e avenidas barulhentas e assustaria quem estivesse chegando àquela
localidade pela primeira vez. Afinal, àquela hora da manhã muitas pessoas ainda
dormiam em suas casas, mesmo com o caos diário de uma cidade grande gritando do
lado de fora de suas janelas.
Em um apartamento dentre os vários prédios de Saffron, a agitação
da cidade também era presente na casa da família Keao. Gritos, suspiros, bater
de objetos e até mesmo miados eram parte da sinfonia caótica que preenchia o
ambiente agora vazio. A matriarca da família, Alika, era uma mulher de pele
bronzeada e um longo cabelo na cor chocolate. Já estava na casa dos quarenta
anos, mas seu rosto aparentava uma jovialidade incrível graças a sua genética. Alika terminava de arrumar suas roupas em uma
grande mala azul em cima de sua cama enquanto era observada atentamente pelo
seu Pokémon, Meowth. O felino repousava em cima de uma das malas já fechadas e
organizadas pela mulher.
Graças às paredes finas, conseguia ouvir seu casal de filhos
discutindo e gritando. Não era a primeira vez naquele dia, mas sabia que também
não seria a última. Normalmente eles se desentendiam vez em outra, mas com a
situação da mudança, o estresse de ambos estava em níveis estratosféricos. Ela,
no entanto, não poderia voltar atrás com sua decisão. Vivera vinte anos de sua
vida naquele apartamento e apesar dele ser confortável, ela estava pronta para
sair da confusão que era a cidade grande e se mudar para um lugar mais calmo e
nostálgico: sua terra natal, Alola.
Contudo, a mudança não era uma escolha individual. Alika também
pensava em seus filhos, que haviam terminado os estudos na escola e agora seria
o momento em que escolheriam o caminho pelo qual seguiriam suas vidas. Mas,
como toda mãe adquire um instinto mágico para saber tudo sobre os filhos, ela
tinha certeza de que Kanto não era o lugar para eles.
Ao finalmente fechar sua mala, respirou fundo e retirou-se do seu
quarto, dirigindo-se para o quarto de seu filho caçula que ficava no mesmo
corredor. Do batente da porta, observou o garoto se movendo agitado de um lado
para o outro, tentando arrumar seus pertences.
Seu nome era Elio, nome escolhido pelo patriarca da família. Ele
tinha seus dezesseis anos, possuía cabelos negros que chegavam até seu ombro e
olhos acinzentados como prata. Apesar da aparência calma e sossegada, Elio era
muito empolgado e extrovertido, sempre conversando com variados tipos de pessoa
e sempre disposto a fazer algo novo. Na escola, passava cada semana com um
grupo diferente de estudantes, alegando que isso ajudava a manter sua vida
menos monótona.
Elio estava empolgado com a ideia de mudar para uma nova região,
apesar de suas inseguranças em relação ao seu futuro, já que não possuía noção
do caminho que gostaria de seguir. Apesar de ter um espírito bem aventureiro,
não possuía nenhum Pokémon, mas adorava assistir as batalhas que eram
transmitidas na televisão. Admirava muito os treinadores, especialmente aqueles
que batalhavam na Liga Pokémon. Quando soube que estava de mudança, considerou
a possibilidade de se tornar um treinador na nova região, podendo colocar em
prática os conhecimentos adquiridos das centenas de horas de batalhas
assistidas.
No quarto ao lado, estava a irmã mais velha do garoto, Selene.
Assim como seu irmão, seus
cabelos também eram escuros, arrumados em um penteado no estilo “bob”,
ressaltando seus olhos grafites. Selene era um ano mais velha que Elio, mas
devido a um adiantamento feito pela mãe de ambos, Elio estudou e terminou a
escola junto com Selene.
O relacionamento de ambos era típico de dois irmãos: em um
instante estavam brigando, discutindo e gritando o quanto odiavam um ao outro,
mas em outros instantes estavam se abraçando e sendo cúmplices de traquinagem,
dizendo o quanto amavam a companhia do outro.
Selene, diferentemente de Elio, sabia o que queria fazer no
futuro. Sonhava em ser uma Pesquisadora Pokémon, estudando de perto as
criaturas que tanto a fascinavam e fazer incríveis descobertas que lhe
renderiam muito prestígio no mundo acadêmico e científico.
A garota era uma excelente aluna na escola. Além das matérias
básicas para o ser humano, adorava estudar também tudo sobre os Pokémon. Ao
contrário de seu irmão, não era muito popular entre os estudantes da escola de
Saffron, mas tinha seu seleto grupo de amizades e possuía uma autoestima muito
elevada. Constantemente utilizava uma blusa folgada com um nó em sua barra,
deixando um pouco de sua barriga visível. Para a garota não havia problemas,
pois não tinha nenhum tipo de complexo com seu corpo. Assim como seu irmão,
nunca tivera um Pokémon próprio, mas o Meowth de sua mãe era o suficiente para
fazer suas primeiras pesquisas amadoras.
Selene havia ficado preocupada — e até mesmo desanimada — quando
soube que se mudaria para uma nova região e que os planos que havia feito para
Kanto iriam por água abaixo. Contudo, após refletir sobre o assunto, concluiu
que a experiência não seria de todo ruim, já que teria a chance de estudar
Pokémon diferentes dos que encontrava ali em Kanto e, quem sabe num futuro,
poderia voltar para região com informações inéditas.
Após muitas discussões com seu irmão sobre quem escolheria
primeiro o quarto da nova casa e perguntar constantemente sobre objetos seus
que magicamente desapareciam de seu quarto e apareciam no de Elio, Selene havia
terminado sua última mala e arrastava o objeto para o centro da sala vazia de
sua casa.
— Mãe, terminei! — berrou a garota para sua matriarca, sentando-se
logo em seguida no chão da sala para aguardar a hora de partir.
— Estou indo, querida — respondeu a mulher, ajudando seu filho a
carregar as malas para juntar com as de Selene na sala. — Aguardem um momento
aqui.
Alika se dirigiu ao seu agora ex-quarto e voltou poucos instantes
depois com uma caixa de tamanho médio de metal. — Seu pai pediu para que eu
entregasse isso para vocês.
A mulher abriu a caixa e a estendeu na direção de seus filhos, que
fitavam o interior do objeto com olhos brilhando de curiosidade.
No interior da caixa, havia dez esferas pretas pequenas com
detalhes em dourado em cima de uma almofada vermelha e um papel que parecia uma
carta.
— Luxury Balls? — Selene constatou, analisando os objetos e pegando
em mãos um que havia um adesivo de uma chama. Elio pegou outra esfera com um
adesivo de montanha.
— Exatamente. É o presente de despedida do seu pai.
Os irmãos exclamaram indignações em uníssono, surpresos e chocados
com a notícia.
— Eu achei que ele iria vir com a gente! — exclamou Elio abaixando
a cabeça tentando esconder as lágrimas que se formavam nos cantos de seus
olhos.
— Seu pai é um homem muito ocupado, Elio — disse a mulher,
acariciando o cabelo de seu caçula numa tentativa de consolá-lo. — O trabalho
na Silph Co. é muito importante para ele e ele não pode simplesmente sair.
— Então quer dizer que vocês dois estão se separando? — perguntou
Selene, também abalada com a notícia.
— Não, querida. Seu pai e eu ainda continuamos juntos e felizes. —
A mulher sorriu gentilmente para a garota, que olhava aborrecida para a mãe. —
Seu pai está de acordo com a decisão e gostaria muito se de juntar a nós, mas
ele também gosta muito do emprego dele.
— Mas ele vai visitar a gente, certo? — questionou Elio com uma
indagação urgente na voz.
— Claro que sim! Não tanto quanto eu gostaria, mas ele vai sim.
Ele também disse que manteria contato por cartas, já que o fuso horário em Alola é bem diferente daqui.
A mulher retirou o envelope que estava na caixa e entregou nas
mãos de sua primogênita.
— Essa é a primeira carta que ele fez, já que não conseguirá
aparecer para se despedir. Essas Luxury Balls são um presente dele.
Selene abriu a carta escrita com a letra bonita de seu pai e
começou a ler o conteúdo em voz alta.
“Para
minha brilhante primogênita e meu caçula radiante.
Sei
que vocês devem estar muito chateados com a minha ausência e com a nossa
despedida. Mas peço que ambos sejam fortes e corajosos nesse momento, porque eu
também preciso ser. Ver as duas estrelas da minha vida crescerem e partirem não
é fácil, mas não poder ver é pior ainda, por isso decidi escrever esta carta.
Quero
que os dois se lembrem sempre de todas nossas conversas e ensinamentos e sobre
tudo aquilo que já falei de seguirem seus corações e seus sonhos e toda essa
baboseira que vocês já devem estar de saco cheio de ouvir, de tanto que seu
velho pai fala. Farei meu máximo para sempre entrar em contato com vocês e sua
mãe, por quem eu ainda sou apaixonado mesmo depois de tantos anos de casado.
Para
garantir que vocês sempre terão um pedacinho de mim com vocês, estou deixando
esses presentes que consegui aqui da empresa. São cinco Luxury Balls para cada
um, e, como vocês provavelmente já notaram, duas tem adesivos especiais. Nessas
Pokéballs estão dois Pokémon que eu mesmo capturei para vocês, como um pedido
de desculpas por não ter feito isso antes.
Escolham
um para cada e cuidem o melhor que vocês conseguirem dessas criaturinhas. Elas
não são especiais só porque são um presente meu, mas também porque são os
primeiros amigos que vocês terão nessa
nova fase da vida de vocês.
Também
estou dando um boné oficial da Liga Pokémon de Kanto para você, Elio, que tanto
gosta de assistir as batalhas, e para a minha princesinha Selene uma touca
vermelha de flores, que sei que vai ficar uma graça.
Não
vou me estender muito, sei que vocês têm um avião para pegar, então desejo o
melhor que Arceus possa oferecer na nova vida de vocês. E não se esqueçam do
papai, porque o papai não vai se esquecer de vocês.”
Ao terminar de ler, tanto Selene quanto Elio estavam soluçando
como crianças, com olhos marejados nublando suas írises cinzas. Alika abraçava
ambos seus filhos, confortando-os em um abraço aconchegante materno que sempre
conseguia acalmar as crianças.
— Vamos, anjinhos, a região de Alola nos
aguarda.