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Ohana Dreams (Capítulo 12)
Era
a época mais quente do ano, a região de Alola nunca esteve tão cheia de
turistas e grandes treinadores vindos de fora, era como se por um instante
aquele conjunto de ilhas isoladas em algum lugar do oceano subitamente voltasse
para os mapas e todas as pessoas do mundo decidissem passar as férias de fim de
ano no paraíso.
Um
velho senhor saiu para a varanda abanando o rosto, sentou-se em sua cadeira de
balanço que rangeu com seu peso, depois tirou os chinelos e esticou as pernas
sobre a mesinha de centro. Ligou um rádio bem antigo — um presente de uma
amiga estimada —,
mas o aparelho estava tão acabado que
demorou a funcionar. Nunca aprenderia a mexer naqueles novos equipamentos
eletrônicos, não substituiria por nada suas antigas preciosidades. Após dois
tapas, o rádio ligou em uma estação de músicas antigas e o velho foi tomado pelo
alívio, relaxando em frente ao mar.
Verão
de 76. Aquela música trazia algumas boas lembranças.
Passara
uma vida inteira apreciando aquela paisagem, agora que já completara meio
século de vida concluiu que jamais se enjoaria dela.
A
tranquilidade foi perturbada quando um jovem de cabelos esverdeados apareceu
correndo pela estrada com sua mochila nas costas. Sua inquietação era tamanha
que ele embaralhou-se todo em suas palavras, sem saber se corria para não
perder o horário ou se se despedia de forma adequada de sua família.
— Vovô, estou saindo com meus amigos! Nós vamos ao
aquário da ilha vizinha em uma excursão da escola! — o garoto saiu correndo no
mesmo instante, depois voltando ainda apressado e foi direto para dentro de
casa. — Será que a vovó preparou algum lanche para a viagem? Será que estou
esquecendo alguma coisa? Droga, por que fui deixar tudo para última hora?
— Aproveite a viagem— respondeu o velho com uma risada.
Sempre se divertia muito com as visitas do neto.
Hau carregava duas sacolas de comida suficiente para um batalhão
inteiro. Apesar da pressa, deu meia volta e lembrou-se de dar um beijo no rosto
de seu avô antes de seguir na viagem.
— Eu te amo, vovô. Obrigado por estar passando as férias
de verão comigo!
Uma senhora observava da varanda, ela tinha quase 70
anos, mas não demonstrava nem metade de toda aquela idade. Ainda era forte e
saudável, devia ter sido de uma beleza invejável no passado.
— Eles estão indo para o aquário — o velho fez que sim
com a cabeça e a senhora deu um sorriso. — Eu ainda me lembro de quando eu
trabalhava lá.
— Foi onde nos conhecemos a primeira vez, Alikia. Você
ficava linda naquela roupa de mergulho, mas demorei para criar coragem e te
contar.
— Você nem tinha idade para dar em cima de uma mulher
velha, seu bobinho.
— Tudo acontece ao seu tempo — o velho homem riu. — Hoje
tenho sorte de ter-me casado e tido filhos com uma mulher honesta e gentil como
você.
— Eu ainda me lembro daquela sua Popplio que você não
sabia que era fêmea.
— É... A Senhorita Chefe. Faz tanto tempo...
Sua esposa voltou para a cozinha, estava assando uma
lagosta deliciosa para um jantar especial à noite, por isso pediu que uma
Tsareena a ajudasse nos preparos.
— Candy, poderia ir até a padaria para comprar alguns
ingredientes para mim? Hoje à noite nossa sobrinha Phoebe vai chegar, quero que
ela aproveite ao máximo sua estadia.
Aquela linda Tsareena era a mesma que um dia fora
resgatada após o incidente no Sunset
Circus. Ela continuou a viver com a família Kameahookohoia por mais de
quatro décadas, e ainda esbanjava charme apesar de algumas de suas flores terem
perdido o brilho rosado.
A Tsareena saía de casa com seu dinheirinho contado
quando um carteiro apareceu de bicicleta e a cumprimentou de relance. O velho sentado
na cadeira o viu de longe, mas não fez muita questão de levantar-se.
— Senhor Hala Kameahookohoia? Encomenda para
o senhor.
O
velho fez um sinal com a mão para que o carteiro deixasse as cartas e o pacote em
frente à casa. A maioria delas eram contas, mas havia surpreendentemente uma pertencente
à sua irmã Miliani.
Fazia
anos que não a via, a última vez devia ter sido há pelo menos três anos quando sua
família visitou Alola nas férias de Janeiro. A carta demonstrava a clara
preocupação de uma irmã mais velha que, mesmo após tanto tempo, sempre se preocuparia
com seu irmãozinho onde quer que ele esteja. Junto do envelope havia também uma
linda foto da família completa: Miliani, seu marido Dylan e a filha Phoebe.
— Olha só como cresceu... — falou Hal, sorrindo ao
observá-la.
Sua irmã se casou com Dylan e teve uma filha que
tornou-se não apenas uma treinadora competente, mas uma integrante da Elite dos
4 na região de Hoenn. Alola nunca teve uma Liga Pokémon, então Hala não
compreendia muito bem como funcionavam as responsabilidades de um integrante,
mas sabia que sua sobrinha fazia questão de tirar um tempo de folga para
descansar com o tio em Alola.
Mili ainda vivia em Hoenn com seu marido, ela raramente
saía de casa agora. Já estava velha e viajar de avião se tornara uma tarefa complicada,
gostava mandava cartas para o outro lado do mundo e dizia com insistência como
sentia falta de sua juventude e infância naquele lugar.
Após terminar de ler a carta, pegou o pacote e logo pensou
tratar-se de uma pedra ou artefato raro que Dylan adorava enviar em nome da
Corporação Devon. Hala sempre gostou de colecionar quinquilharias, mas já
passara grande parte da coleção para o neto Hau que fazia melhor uso daqueles
artefatos como treinador — nunca imaginou que passar tanto tempo no oceano
juntando Heart Scales seria de alguma
utilidade! O pacote era pesado e muito bem embalado, como se sua carga fosse da
mais importante prioridade. Ao abri-lo, seu coração disparou ao perceber que
havia um ovo Pokémon ali dentro. Junto dele havia uma nota escrita por Miliani:
“Ei, maninho. Como é que você tem passado?
Mês passado a Phoebe nos convidou para ir ao circo, ela
sabe como eu adoro, mas para ser sincera nunca mais visitei nenhum desde aquela
nossa triste experiência (ainda tenho a impressão de que eles maltratam os
Pokémon em segredo), mas dessa vez fui convencida do contrário. Nesta
apresentação, me surpreendi com o fato de que havia uma Primarina como artista
principal, e adivinhe, era a Senhorita Chefe, a própria! Exatamente a mesma
Popplio que você tinha quando era criança. Ela cresceu e se tornou um Pokémon
belíssimo. Fico feliz que você a ajudou a seguir seu sonho, as aulas de teatro
valeram a pena, tenho certeza de que ela realizou todos seus anseios.
O nome do circo onde a Chefe trabalha chama-se “O
Emblema do Oceano”, eles passarão uma temporada em Kanto e disseram-me que logo
estariam em Alola. Você precisa ir assisti-la. A Chefe ficaria orgulhosa. Semana
passada fui surpreendida por um dos organizadores do circo que me entregou este
ovo, ele disse que a Primarina gostaria que eu ficasse com um filhote dela,
como agradecimento por todos os cuidados que prestamos. Fiquei muito surpresa com o fato dela lembrar-se da gente, até chorei de emoção e peço desculpas por isso, sei que você não suporta me ver chorar. Quero que você cuide
desse pequeno Pokémon que virá a nascer como se fosse de nossa família, aposto que meu sobrinho Hau iria adorá-lo, ou quem sabe algum treinador em quem você
confie com todo seu coração. Tenho certeza que você saberá.
Beijos para todos!
Comporte-se.
Mili”.
Hala ficou tão emocionado com a surpresa que todas as
lembranças de sua infância de repente vieram à tona: tomar sorvete na VaniDelluxe
e escolher um dentre tantos sabores diversos; infiltrar-se no Esconderijo de
Ika e Uko para conseguir alguns trocados; voar nos costas de um Drampa; almoçar
com sua família; mergulhar na Baía do Rei... Que tempo bom! As lembranças boas
superavam todas as ruins.
Hoje a sorveteria já não existia mais. A construção deu
espaço para um prédio luxuoso que recebia turistas.
O majestoso Mantine da Baía do Rei partiu em sua
migração para as águas quentes de Hoenn e nunca mais voltou, mas deixou para
trás seus filhotes, diversos Mantykes que um dia viriam a crescer e se
tornariam tão grandiosos quanto o Rei original.
Ika e Uko levaram a vida intensamente, como sempre
fizeram. Arranjaram confusão e tentaram alguns trabalhos aqui e ali. Foram os amigos mais próximos
de Hal até o fim, fizeram muitas visitas aos sábados e foram motivo de muita risada com suas histórias e enrascadas. Quando Uko faleceu de infarto, Hala dizia que seu coração era tão grande que não cabia dentro dele. Ika, por sua vez, tinha um cérebro tão genial que alguém lá em cima precisou dele. Era triste pensar que seus dois amigos de
infância partiram tão antes dele, mas Hal se conformava quando os imaginava em algum lugar no
céu comendo pizza de pepperoni à vontade enquanto brincavam com Dia.
Hala também teve de se despedir de seu Rockruff quando ainda
era moço. Nunca aceitou o fato de que os animais tinham de partir
tão cedo. O pequeno Diamante foi enterrado em uma colina distante que mais
tarde foi apelidada de Ten Carat Hill,
seu túmulo ficava muito florido na primavera.
Kailani continuou o resto de sua vida na ilha. Ela teve muitos relacionamentos intensos, mas nenhum deles foi
duradouro. Quando sua irmã foi embora para Hoenn, foi Kailani quem cuidou de
Hal como se fosse um irmãozinho e nunca deixou de estar ao seu lado. Mesmo
depois de velha ela continuava linda, procurava manter-se sempre em forma e
saudável, tinha a disposição de uma jovem e ainda causava invejava nas mais
novas. Hala dizia que sua arma nunca envelhecera.
Ainda se sentia culpado por ter contado que sua irmã e Dylan se beijaram numa noite qualquer. Era como se ele fosse o responsável por ter acabado com o amor mais bonito e sincero já visto, talvez hoje as duas ainda poderiam estar juntas e ele teria ambas para sempre ao seu lado, onde estariam protegidas — afinal, juntas elas eram invencíveis — mas quando separadas, era como se toda a força se seguisse numa direção oposta até se romper. Já faziam 5 anos desde o enterro. Quando era menino,
costumava acreditar que Kai e Mili eram como sol e lua, e sempre estariam lá em cima não importa quanto tempo passe; mas mesmo os astros
no espaço um dia deixam de brilhar. Sentia falta de muitas coisas nessa vida,
mas nada se comparava à falta que sentia delas.
“Kai, você é a
mulher mais linda que já conheci. Você foi a maior inspiração para minha vida”,
lembrava-se de ter dito em seu enterro, só nunca se desculpou por nunca falar
isso a ela quando ainda era viva.
Hala acariciava o ovo em seu colo quando murmurou para
si mesmo:
— É... O tempo passa...
Estava ficando velho, sua função nessa história estava
para terminar. Talvez tudo que passou ao lado das pessoas era
o que importava. Sua Ohana. Teve uma
vida simples, mas muito feliz.
Ainda naquela noite, Phoebe chegou de avião para a
visita aos seus tios. A Dona Alikia preparou um jantar com muito capricho,
talvez tantos anos trabalhando no aquário a ensinaram a saber como escolher os
melhores peixes para servir.
Os quatro se sentaram à mesa e conversaram durante
horas, Phoebe compartilhava suas experiências como membro da Elite e Hau se
encantava com a ideia de que ainda naquele ano estaria finalmente começando sua
jornada como treinador.
— E então os Wishiwashis se juntaram e se transformaram
e uma forma gigantesca e monstruosa! Como isso é possível? Um bichinho tão
pequeno se tornar algo tão ameaçador?
— Os Wishiwashi se juntam em cardumes como forma de
proteção, querido — explicou-lhe sua avó. — Mesmo pequenos e inofensivos,
quando trabalham em grupo são capazes de derrubar até mesmo a maior das
barreiras.
— Visitar o aquário foi incrível, mal posso esperar pela
próxima — animou-se Hau, dando uma garfada em sua lagosta. — Ei, Phoebe, pode passar
o refrigerante?
Sem que ela movesse um dedo, a garrafa misteriosamente
levitou no ar e foi em direção do copo. Hau sorriu encantado, sempre se
divertia com aqueles truques feitos pelos Pokémons fantasmas de sua prima.
— Isso é tão maneiro! Um dia quero ser forte que nem
você!
— Ah, vocês não fazem ideia de como é exaustivo
trabalhar na Liga... — disse Phoebe com um suspiro. — Tenho que aguentar aquele
mala sem alça do Sidney o tempo inteiro, sem contar os compromissos constantes,
acho que fico mais tempo sentada do que treinando Pokémons fantasmas... Tem
dias que não sinto meus pés. Mas pelo menos agora estou aqui com vocês, e isso
faz tudo valer a pena!
Hau comia com gosto quando percebeu que seu avô estava
estranhamente quieto.
— Vovô, aconteceu alguma coisa? Como posso te animar?
Hala sorriu, porque algumas vezes os mais novos não entendem
o motivo dos velhos ficarem tanto tempo em silêncio.
— Só estava pensando em algumas coisas. E como está sua
mãe, Phoebe?
— Ah, cansada, como sempre... Ela sente muita falta de
Alola, mas agora o trabalho não dá nenhuma folga. Ela disse que assim que se
aposentar vai passar um tempão aqui com o senhor, nem que para isso precise
deixar o Dylan em Hoenn para que ele cuide dos negócios da família. Ela precisa
mesmo é de um banho de água salgada, para se limpar de todas as impurezas.
Mamãe tem andado muito estressada...
— Sua mãe é forte. Ela aguenta — respondeu Hala, tomando
um gole de seu drink antes de ser novamente interrompido por seu neto que não
parava de falar.
— Vovô, quando é que você vai começar a entregar os
iniciais para os novos treinadores que estarão chegando em Alola? Eu vou ganhar
um também? Posso escolher ou vou ter que ficar com o que tiver desvantagem?
— Em breve, meu garoto, em breve. Houve um pequeno
atraso porque eu ainda estava me decidindo qual seria o inicial aquático, mas
acho que já o encontrei.
— E quem são os treinadores que estarão se mudando para
cá? Eles são legais? É um menino ou uma menina?
O velho Hala riu e bagunçou os cabelos do menino.
— Você faz perguntas demais, mas em breve vai ter uma
resposta para cada uma delas. Por hora, vão se trocar e se preparem para o rito
de passagem do ano. A Phoebe vai dançar lá em cima com direito a show de
Marowaks e muita comida!
— O senhor vai dançar também, vovô?
Alikia riu só de imaginar a imagem de seu marido
dançando com todo aquele peso.
— Estou meio velho para essas coisas, veja só, ai, ai, minhas
costas... — ele tentou disfarçar.
Hala aprendeu com sua irmã que um lar só
recebe esse título quando as paredes já são cheias de marcas e rabiscos que
registram o crescimento das crianças, xícaras e pratos com lascas quebradas, e
muitos quadros repletos de saudade na sala.
Muitos anos se passaram até que ele
compreendesse que “lar” nem sempre precisar ser um lugar — podiam ser pessoas para quem seu coração se dirige quando se está
cansado, amigos que o acolhem independente de onde estiver. Talvez por isso
sempre sentiu um estranho aconchego diante de seu “lar”, não importa aonde estivesse,
fosse num universo existente ou não, nesta ou vida ou em outra.
As coisas mais importantes da vida eram tão simples que podiam ser expressadas em algumas poucas palavras — amor, carinho e família. O Sr. Hala cresceu ouvindo isso e estava feliz por ter perto de si cada uma delas.
As coisas mais importantes da vida eram tão simples que podiam ser expressadas em algumas poucas palavras — amor, carinho e família. O Sr. Hala cresceu ouvindo isso e estava feliz por ter perto de si cada uma delas.
Ohana Dreams (Capítulo 11)
O
mar parecia estranhamente manso naquele dia, era como se descansasse após um
longo período de tormenta e tempestades. A varanda da casa do Sr. e a Sra.
Maximiliano dava de cara com o enorme manto azul, o terreno fora escolhido
especialmente por conta daquela vista. Agora que Popplio tinha um tempo para
refletir, sentiu saudade de sua casa e de sua família. Por um instante,
Treinador e Pokémon não pareceram tão diferentes um do outro.
Não
demorou para Hal logo chegasse trazendo dois copos com suco de Oran Berry e uma revistinha dos X-Men debaixo
do braço. Ele sentou-se ao lado de Popplio e esticou a rede, onde acomodou-se e
começou a folhear sua história. Os dois compartilharam um longo período de
silêncio, o Pokémon continuou quieto, até que o garoto decidisse falar:
— Aquele circo mexeu com você, não é mesmo?
A Popplio fez que sim com a cabeça. Hal respirou fundo,
fechou a revista e ofereceu o outro suco para sua companheira.
— Você sente falta da sua casa? Gostaria de voltar para
seus pais?
Ela fez que não.
— Às vezes a vida parece perder o sentido e é difícil
saber para onde seguir... Mas você ainda sente que a arte é para você.
Popplio
estava muito chateada com todo o ocorrido, não pelo sentimento de ter sido quase abandonada, pois sabia que as
intenções de seu treinadores eram as melhores —sentia-se
decepcionada consigo própria por não ter sido capaz de mostrar o seu melhor e
nem que o mundo a conhecesse. Tinha tanto a oferecer, mas nenhum público para
apreciar...
O
Pokémon esticou as nadadeiras, como se pedisse colo. Hal a acomodou em cima de
sua barriga e dois passaram várias horas na varanda, sentindo a brisa fraca e o
cheiro salgado vindo do oceano.
— Por que você não participa das aulas de teatro comigo
na escola? É sério, talvez você goste — sugeriu o garoto. — Não é nada
grandioso, mas eles permitem Pokémons e aposto que você daria um belo show em
qualquer um dos novatos. Começar debaixo é sempre uma boa ideia, não dá para
escalar uma montanha pelo pico.
Popplio pareceu gostar da ideia, tendo sua cabeça
afagada.
— Daqui alguns anos espero estar sentado em uma varanda como
essa, bebendo um delicioso Berry Juice e ouvindo música, contemplando o mesmo
céu e oceano... É
importante sabermos aonde nosso coração pertence.
Alguns
dias se passaram desde o incidente com o Sunset
Circus. Hal nunca se esqueceu do grandioso Exeggutor que o salvara duas
vezes na vida, pediu de todas as formas que seus amigos o ajudassem a encontrá-lo,
já retornara pela terceira vez às planícies onde ocorreu e a batalha e o circo
estivera alojado, mas não havia nada além de destroços e vestígios.
Dylan
lhe contou que o pessoal do circo saiu impune de toda aquela história, disseram
à polícia que foram atacados por Pokémons selvagens, que foi uma tragédia tremenda
para seus negócios e nunca mais voltariam para Alola, retornando assim para sua
terra natal nas Ilhas Laranja onde fariam novas vítimas aprisionando mais
Pokémons, mas enfrenta-los a essa altura estava completamente fora de seu alcance.
Um dia eles pagariam por toda a maldade cometida.
O
Tio Max ficou muito triste quando soube da notícia, mas exatamente como na
primeira vez que os conhecera, acreditava que aquele Exeggutor tinha como
propósito em vida proteger aqueles que considerava sua família, e por isso eles
tinham de honrar sua escolha.
Muitos
dos Pokémons selvagens do circo fugiram, outros foram resgatados e entregues a
novos lares que lhes dessem amor e carinho. O Bidoof foi o primeiro a ser
adotado por uma família com uma criança de colo. Foi amor à primeira vista — nunca tinham visto um Bidoof e
achavam aquele castor muito engraçadinho. Ele seria uma ótima companhia para
seu filho, assim eles compartilhariam fortes laços conforme a idade avançasse.
A
Tsareena servira os donos do circo desde que era um Bounsweet, praticamente toda
a sua vida, por isso nunca compreendeu completamente o fato de que estava
livre. Durante a semana que se seguiu ela divertiu-se com Camille e as outras
serviçais do Barão, mas Tio Max e sua família não queriam nenhum outro Pokémon
trabalhando para eles.
— Por que não fica com ela, Hal? — sugeriu Dylan. —
Vamos lá, você leva jeito para cuidar de Pokémons, aposto que ela será sua
companheira para toda a vida!
Hal concordou e a nomeou como Candy. Ao contrário de
muitas Tsareenas da espécie que possuem gostos refinados e preferem ser
tratadas como rainhas, Candy era humilde e preferia a simplicidade e o carinho
de seus treinadores.
Muita coisa aconteceu na semana que se seguiu. Kailani e
Miliani ainda estavam brigadas, elas não conversaram nenhuma vez desde o
resgate, mas era hora de mudanças na vida
dos Kameahookohoia e elas não tardaram a vir:
— Nós vamos voltar para Hoenn! — Dylan falou com
entusiasmo aquela manhã.
O Sr. Stone, o fundador da Corporação Devon,
interessou-se muito pela descoberta da carcaça de um Minior feita por Hal e
Dylan nas montanhas de Melemele. Os
cientistas da região poderiam estudar o material mais a fundo, acreditavam que
com alguns exemplares e o crescente avanço da tecnologia logo seriam capazes de
reviver Pokémons fósseis. Foi
feito um pedido de que o Barão e sua família retornassem imediatamente com o
precioso tesouro.
Dylan caminhava com Miliani e seu Hal pelos jardins da
mansão quando contou-lhes toda a história e a súbita decisão.
— Eu quero muito que vocês venham comigo — frisou o
rapaz. — Vocês dois.
— É difícil, Dylan... — Mili parecia preocupada. — Digo,
nossa vida toda está aqui. Emprego, casa, amigos...
— Tenho certeza que você encontraria um emprego, Mili,
você é muito inteligente e esforçada, podemos fazer isso juntos! Até hoje eu não
havia encontrado um motivo sólido para assumir uma posição na Corporação Devon,
mas se eu conversar com meu pai ele me aceitaria de muito bom grado. Você
poderia começar a faculdade de moda que sempre quis, somos jovens, temos todo o
futuro a nossa frente!
— Eu não sei... — a moça parecia muito confusa e
assustada. O mais longe que jamais chegara de sua casa eram as ilhas vizinhas
de Alola. — É uma decisão muito súbita.
— Eu entendo, não se pode simplesmente abandonar a
rotina assim de repente. Mas eu e minha família vamos partir no sábado de manhã,
então por favor, considere até lá.
Quando Mili voltou ao seu quarto na mansão, ela soube
que logo aquilo tudo estava para terminar. A mordomia, o aconchego — era
chegada a hora de voltar para sua velha e confortável cabana destruída na beira
do mar.
— O que eu faço, Hal? Quero muito ir junto com o Dylan,
mas tenho minha vida toda aqui. A Kai não conversa comigo faz mais de uma
semana, não tenho notícias dela, estou começando a ficar preocupada...
— Mili, e-eu tenho que te contar uma coisa...
Hal ainda sentia
a culpa de ter contado para Kai sobre o beijo, mas amava sua irmã com a mesma
intensidade, por isso compartilhou sua versão da história.
Miliani sentou-se na beirada da cama no mesmo instante e
o encarou com severidade.
— Você fez mesmo isso? Como pôde? Qual é o seu problema?!
Você sabe que a Kai é a garota mais ciumenta do mundo, ela provavelmente vai
pensar que esse beijo foi quase que nem sexo! Por Arceus, é por isso que ela
tem me evitado!
Mili pensou em todas as possibilidades que aquilo causara,
mas havia uma maneira de conseguir contatar sua amiga antes de Dylan ir embora.
Ainda naquele dia telefonou para o dono da Cabana do
Luar e sugeriu que eles organizassem um evento especial para os turistas, como
uma ritual de boas vindas às estações de calor. Seria feita uma grande festa no
melhor estilo de Alola, com direito a cantoria, tochas e shows pirotécnicos.
Tanto Mili quanto Kai trabalhavam ali, logo nenhuma delas poderiam faltar no
emprego, então uma hora ou outra teriam de se encontrar.
— E quanto a você, senhor Hal, pare de meter o nariz aonde
não deve — respondeu Miliani, enfezada. — Já a minha lição foi muito maior...
Eu prometo nunca mais chatear ou decepcionar as pessoas que eu amo, se por
ventura eu fizer isso, sinta-se livre para espalhar para meio mundo!
— Deixa comigo — respondeu o jovem, compartilhando um
forte abraço com sua irmã.
Miliani prometeu que pagaria Ika e Uko com uma pizza de pepperoni se eles lhe dessem a
localizassem de Kailani até o fim de semana. Eles a encontraram duas horas
depois na sorveteria VaniDelluxe, tomando sorvete sozinha e desinteressada.
Mili disfarçou-se bem com óculos de sol e um daqueles chapéus
cafonas. Ela sentou-se a mesa ao lado de Kai que imediatamente percebeu quem
era e não conseguiu deixar de rir.
— Por Arceus, essas roupas de gringo são brega demais —
falou Kai.
— Eu sei, peguei emprestado da Senhorita Renée.
— Se sua intenção era passar despercebida, não deu muito
certo...
Mili revelou um sorriso de relance, tirou os óculos e o
chapéu, mas ainda não conseguia encarar sua amiga nos olhos.
— E então... Como é que está?
— Bem. — Ela respondeu de forma seca. Nem ofereceu o
sorvete. — E você?
— Também.
Era como se elas nunca tivessem se visto na vida.
— Vamos ter uma apresentação importante esse fim de semana, eu
queria saber se você gostaria de ensaiar, e...
— Não tô afim. — Fez-se silêncio novamente, então Kai
continuou: — Você é boa nisso, sabe os passos de cor. Não
precisamos ensaiar.
Miliani ficou observando a forma como Kai lambia o
sorvete de creme. Já sentia muita falta dela.
— Está esperando alguma coisa? — Kai perguntou de novo. —
Não te vi pedindo nada. Ou talvez você tenha algo que queira me contar...
— Eu... acho que não.
— Não? — Kai fechou o punho na frente do seu rosto, como
se desejasse que ela estivesse ali para esmaga-la. — Não minta para mim. Faça
tudo, mas não minta.
Mili recuou assustada e mordeu os lábios para evitar chorar
ali no meio da sorveteria, mas sua amiga levantou-se
e saiu dali antes.
— Por favor, Kai, não vá! — suplicou Miliani.
— Caramba, garota, não dá pra resistir a essa sua
carinha triste mesmo quando você faz uma merda daquelas!
— Me desculpa, Kai, foi errado da minha parte não te
contar! Mas há tantas coisas acontecendo, eu não poderia ir embora sem
conversar com você antes, só me dê uma chance!
— Ir embora? Aonde pensa que vai, você não sabe nem
andar sozinha até o porto.
Kailani zombava até concluir que ela não
viajaria de barco para nenhum lugar, porque seu destino estava longe, muito
longe...
— Espera. Você vai para Hoenn com o loirinho, não vai?
— Kai, eu...
— “Kai, Kai, Kai!”
Você só sabe falar o meu nome? Parece até que está gemendo... O que me lembrou
daquela noite no ano novo em que meus pais me colocaram para fora de casa. Eu
estava triste e desesperada, prestes a ter a pior noite da minha vida e
começaria o ano me sentindo um verdadeiro Trubbish — disse Kailani, sua voz
antes tão severa aos poucos diminuindo o tom. — Foi então que você me acolheu
porque eu parecia um Rockruff sem dono... Seu irmãozinho preparou uma ceia
deliciosa, nós estouramos refrigerante cheio de espuma porque não tínhamos
grana pra comprar champanhe com álcool e ainda éramos menor de idade. Nós passamos
a noite inteira juntas...
— Foi a melhor noite da minha vida — completou Mili,
alegando que nunca se esqueceria daquele dia. Sua amiga começou a rir sem
parar.
— Garota, você não me deu uma trégua nem por um instante!
Onde é que tira esse apetite?
— Aprendi com a melhor.
As duas se encararam por um longo instante, separadas
apenas pela calçada desgastada na beira da praia.
Mili correu e a abraçou, sentiu seu coração disparar ao
perceber que Kai também a abraçava com tanta força que parecia nunca mais querer
largar. Mili começou a chorar porque era banhada por lembranças maravilhosas.
Ela era sua única e melhor amiga, como poderia dar-lhes as costas?
— Você odeia quando eu falo palavrão, mas eu gosto de
você pra caralho! — falou Kailani. — Não sei se serei capaz de dizer “eu te amo”
tão cedo, mas não posso me dar ao luxo de ficar outro dia sequer sem você.
— Olha a boca, mocinha. Vou ter que te calar? — ela a
corrigiu, dando um selinho de leve naqueles lábios ainda com gosto de sorvete
de creme.
Foi nesse instante que um grupo de garotos saíam da
padaria ao lado e viram a cena. Pareciam ser de outra ilha, porque não tinham
pinta de turista e nem eram conhecidos dos arredores. Um deles imediatamente começou
a caçoar das garotas e os demais entraram a brincadeira
— Galera, saca só essa cena!
— Ah, quanto desperdício...
— Ô, se fosse lá em casa!
Mili quis se desvencilhar do abraço imediatamente, mas
Kai a segurou com mais força e a pressionou contra seu peito.
— Por que vocês não somem daqui, seus imprestáveis?
Kai imaginou que eles iriam embora depois de as
ofenderem de tantas maneiras, mas eles agora se aproximavam como se estivessem
apenas começando o show. Miliani desejou mentalmente que aquilo não terminasse
em briga, Kai era muito esquentada e não levava desaforo para casa. Justo agora
que elas haviam se reconciliado!
Por algum milagre, os garotos começaram a se afastar e
logo deram meia volta, apressando o passo como se tivessem visto um fantasma. Ao
virar-se, Kai deu de cara com Uko, um gigante ameaçador com todo seu tamanho. Ika
também estava junto, esguio eles pareciam ter afastado aqueles jovens inconvenientes
só pela aparência.
— Maluco, tu viu isso? Esses brancos correm pra caramba
quando querem! — falou Ika.
— Heh, heh. Podemos correr atrás deles também, irmão?
— Agora não vai dar, Uko. Temos que levar as meninas em
segurança pra casa. Tem vez que essa vila é cheia de gente sem noção, tá
ligado?
O dia da festa finalmente chegou. O fim de semana estava
perfeito com sol e um clima agradável ao anoitecer. Todos os preparativos foram
feitos, Hal vestiu sua camisa florida amarela e os shorts que ganhara de
aniversário dos pais para ver um dos shows mais aguardados do ano — a maioria
ainda não sabia, mas seria a despedida de Miliani. Àquela altura Dylan estava
enlouquecendo com perguntas sobre a viagem, ele compreendia que não poderia
força-la a ir se não quisesse, mas também não obtivera resposta alguma. Mili
mesmo estava indecisa, mas precisou dizer ao seu chefe que aquele seria seu
último show ou não aconteceria festa alguma.
Ika e Uko compareceram somente para ganhar alguns aperitivos
de graça por toda a ajuda que prestaram ao Barão e sua família. Hal se divertiu
muito com eles, sabia que precisava colaborar para que tudo na festa ficasse
sobre controle. Ao término do show, Mili teria a “conversa decisiva” com
Kailani e sabe-se lá no que aquilo iria resultar.
Mili encontrou sua amiga nos bastidores ainda se vestindo.
Kai estava virada de costas tentando prender o sutiã e chamou-a quando a viu
pelo reflexo do espelho.
— Vai me ajudar ou só ficar aí olhando para a minha
bunda?
Mili sorriu e correu para fazer os ajustes. Apesar da
brincadeira, Kai continuava séria e um clima estranho pairava entre elas. Mili
abriu a boca para falar quando foi interrompida:
— Por favor, agora não. Temos um espetáculo para dar e
eu não aceito nada menos do que a perfeição — disse Kai ao virar-se para ela e
beijar-lhe na bochecha. — Te espero na praia quando acabar. No nosso
esconderijo, tá bem?
Mili corou só de pensar e foi tomada por muitos pensamentos
indecentes que aquele esconderijo lhe traziam. A primeira vez que ela e Kai se
beijaram foi ali, na beira do oceano. Só foi despertada de seus devaneios
quando seu nome foi anunciado. Era hora de uma entrada triunfal para embelezar
a noite.
Miliani estava deslumbrante em qualquer ocasião, era
como se ela tivesse nascido na noite, onde ninguém a enxergava completamente, como
se fosse apenas um foco luminoso no meio da escuridão Kailani brilhava por si
só, quando se cansava de sua própria luz ela recorria à sua companheira para
compartilhar, pois juntas eram uma dupla perfeita.
Não precisavam mais ensaiar os passos, tinham na cabeça
cada gesto de uma dança típica na região que se popularizou no mundo todo. O
vestido de Mili flutuava como se fosse uma galáxia enquanto Kai colava a coxa
nela com sensualidade, a dança era como uma disputa de amor e ódio, ambas
colocavam tudo de si naquele último encontro entre o sol e a lua. Dylan não
conseguia ficar de boca fechada, quanto mais via Miliani, mais desejava tê-la
para sempre ao seu lado.
Foram feitos shows com fogo e até mesmo fogos de artificio.
Pokémons e treinadores se divertiam, o Sr. e a Sra. Maximiliano nunca antes
viram um espetáculo tão bem. Ao término da apresentação, o diretor da Cabana do
Luar fez o derradeiro anúncio:
— É com orgulho e muito pesar que anúncio que este foi
último show da nossa dupla! Uma salva de palmas para Miliani que deixará Alola
para estudar em terras estrangeiras, vamos desejar-lhe sorte em sua empreitada
e que ela nunca se esqueça dessa terra sagrada que estará sempre te braços
abertos para recebê-la!
Nesse instante, Dylan soube que a resposta para a viagem
era “sim”. Levantou-se imediatamente para abraçar Miliani, mas não a encontrou
em lugar algum. Quando perguntou para Hal se ele sabia onde sua irmã estava, o
garoto respondeu:
— Ela já vai voltar... Não se preocupe, vocês terão
bastante tempo para conversar em sua viagem, só a deixe se despedir de Alola e tudo que ela já amou um dia.
Kai e Mili de fato voltaram para o backstage, mas saíram dali pelos fundos. Elas se livraram das
roupas do evento o mais rápido que puderam e seguraram uma na mão da outra
enquanto corriam pela estrada sem iluminação para que não fossem vistas por
mais ninguém.
A praia estava completamente deserta. Kai sentia o toque
da areia em seus pés. Os chinelos ficaram para trás, elas correram até o mar,
Kai jogava água em sua amiga e as duas riram como nos tempos em que eram apenas
crianças em busca de diversão.
Quando se cansaram, Kailani deitou-se na areia com os
braços esticados e Mili sentou-se ao seu lado sobre uma pedra. Elas ficaram
ali, iluminadas somente pelas estrelas e pela lua.
— Quem começa?
Mili aninhou-se ao lado dela, sem importar-se com a
sujeira em seu vestido ou seus longos cabelos prateados.
— Primeiro: foi só um beijo.
— Só um beijo? Tá bom — Kailani revirou os olhos em tom de sarcasmo. —
Olha só aonde esse beijo te levou...
Para longe, muito longe de mim.
— Eu sou uma idiota por ter feito algo que te magoou
tanto...
— Isso não foi nada perto do que eu estava prestes a
fazer com você! Ouve só essa... Sabe o Michael, o mímico que trabalhava no
circo? Eu e ele nos encontramos na cidade depois que seu irmão me contou que
você e o loirinho se beijaram. Eu estava furiosa com você. Tão furiosa que
queria transar com o primeiro cara que encontrasse, e o escolhido foi o Michael.
Nós saímos juntos e eu bebi até cair e não conseguir mais levantar, ele me
levou para um motel e nós estávamos quase fazendo uma tremenda burrice quando
eu percebi que... não curto homens. Antes eu achava que poderia gostar, mas
agora tenho CERTEZA que não rola. O Michael foi um anjo comigo, no fim das
contas ele era gay e não teria acontecido nada mesmo, mas foi uma prova do quão
mau eu posso ser quando traída.
— Minha nossa. Que história! — Mili parecia realmente chocada. — E eu
só dei um beijinho no Dylan.
— Não duvide das capacidades de uma escorpiana de se
vingar, querida, eu espirro veneno para todos os lados! Quando fiquei sabendo
que você estava em perigo no circo, quis salvá-la imediatamente. Você e o Hal
são parte da minha família, sabe disso.
— Obrigada por ser sincera comigo — disse Miliani. — Te
imaginar com um cara já é engraçado o bastante!
— Nem me fale, terei pesadelos com isso... Mas no fim
das contas, eu sempre soube que você era bissexual. Não resiste a um tanquinho,
não é?
Elas se divertiam muito, mas a noite parecia estar
correndo muito depressa e logo dariam falta das duas principais dançarinas do
show.
— Quando você disse que o Dylan me levaria para longe,
estava certa. Ele pediu que eu o acompanhasse para Hoenn.
— Aquele loirinho desgraçado, só porque eu estava
começando a gostar dele!
— Mas ele também sugeriu que o Hal fosse...
— Você sabe que o Hal nunca iria.
— Isso automaticamente me impediria de ir também —
continuou Mili com ares de preocupação. — Ele é meu irmãozinho, tenho que
cuidar dele.
— Ele é o seu irmão, sim, mas você não é mãe dele. O Hal
é um garoto crescido.
Fez-se
um curto intervalo até Kai falar:
— Se quiser saber minha opinião, você devia ir.
— Mas isso me deixaria longe de você...
— Nossos caminhos seguiram juntos até hoje, Mili, mas se
você quiser continuar o seu, você precisa ir embora. Se continuar aqui em Melemele
seremos só um casal de velhinhas, mas você tem que cursar uma faculdade, tem
ser grandiosa e estampar a capa de todas as revistas de moda e mostrar para
essas vadias quem é que manda!
— Isso é possível, Kai? Você amar tanto alguém, mas
acabar ficando com outro?
— Não sei. Só sei que eu quero que você seja feliz e que
tenham uma família grande e feliz, que tenham filhos e vivam em uma casa enorme
tomando banho de banheira aos fins de semana e fazendo sexo selvagem. Eu não
poderia te entregar nada disso — ou melhor, o sexo eu faço até melhor! — mas eu
sei o que seu coração pede... Alola nunca foi o suficiente, não é?
— Não me julgue interesseira, é só que...
— Quem sou eu para julgar? Você está bem, está feliz, e
nós vivemos tempos maravilhosos juntas. Não posso te prender como se fosse meu
passarinho, e nem você poderá fazer o mesmo comigo. Até quando você tem para
responder o cara?
— Amanhã.
— Querida, então é melhor se apressar, porque temos uma
mala enorme para preparar!
O Barão Maximiliano e sua esposa Renée já estavam prontos
com todos seus criados e pertences no jato particular que os levaria de volta
para Hoenn. Dylan batia o pé, mas não havia sinal de Miliani. Seu amigo Izrael,
que costumava atrasar-se quase uma hora em todas as viagens, acabou chegando
antes.
— E aí, parceiro — falou Iz com as malas prontas para a
viagem. — Estamos esperando o quê?
— Ah, cara... Um beijinho de despedida, talvez?
— Por que não falou logo, maluco? Chega mais — respondeu
Iz, esticando os braços para seu amigo que caiu na risada e o empurrou para
longe.
— Tá doido, velho? Tô falando um beijo da Mili.
Para
sua surpresa, um pontinho prata pôde ser visto de longe no aeroporto. Mili
estava correndo com três malas enormes contendo suas bagagens, vestia um
vestido azul florido, óculos escuros e o chapéu cafona que ganhara de presente.
Dylan não se aguentou de rir quando a viu.
— Eu não acredito no que estou vendo!
— Prepare o jato, estamos partindo! — respondeu Mili apreensiva.
Os funcionários colocaram todas as malas dentro. Não
havia hora para o jato partir, era o próprio Barão quem dava as ordens e ele
sabia como aquele momento era importante para seu filho. Faltava apenas uma
despedida.
— Bom, acho que isso é — falou Hal, enfiando as mãos no
bolso dos shorts. — Até!
— Ué, maninho... Suas coisas não estão aqui também? —
perguntou Dylan.
— Nem, aquilo tudo são só as malas da minha irmã... Eu
vou ficar.
— E quem vai cuidar de você? E do Dia? — Dylan parecia
muito preocupado com a ideia de um garoto de doze anos ficar abandonado, mas
foi surpreendido.
— A segunda irmã dele! — falou Kailani com uma risada. —
Eu vou encher esse garoto de tanto carinho que ele nunca mais vai querer a irmã
antiga. Eu sou a preferida dele agora. Há! Morra de inveja.
Mili ainda arfava de cansaço, mal conseguia escolher as
palavras.
— Dylan, só me prometa uma coisa... Eu preciso voltar
ocasionalmente. Uma vez a cada três meses, seis, quando for possível — falou,
contemplando tudo que estava deixando para trás. — Essa ainda é a minha
família.
Dylan segurou as duas mãos dela com carinho.
— Mili, a gente volta todo dia se você quiser. Até
porque se for pra passar mais alguns dias no paraíso eu tenho sempre
disposição!
A moça sorriu e agradeceu a oportunidade e o carinho com
que era tratada. Pediu que Dylan e Izrael fossem entrando, tinha algumas
palavrinhas finais para trocar com quem ficava. Agora estavam uma de frente
para a outra, Hal desviava o olhar para que não o vissem chorando, porque
odiava despedidas.
— Então, acho que isso é um adeus — falou Miliani.
Kai devolveu-lhe uma piscadela sedutora.
— Vê se não volta correndo pra mim quando decidir de vez
que prefere mulheres, hein?
— Pode deixar. A primeira a gente nunca esquece. E você,
meu irmãozinho do coração. Comporte-se, ouviu? Se chegar alguma carta da Kai
dizendo que você não está se comportando, eu volto para te dar umas boas
palmadas na mesma hora ouviu?
Ela deu-lhe um beijo rápido na testa e virou-se para ir
embora. Os dois precisaram se afastar para que o jato tivesse espaço para
decolar, ver Mili caminhar em direção daquele pássaro metálico seria a última
imagem que teriam dela. Os próximos dias seriam completamente diferentes,
sabiam que nada seria como era. Só esperavam aprender a conviver sem sua
companhia.
Nesse instante, Hal retirou algo do bolso. Kai
surpreendeu-se ao ver que era seu colar de ouro.
— O-onde foi que você achou isso?
— Isso não importa agora. Só não a deixe ir sem antes se
despedir de forma adequada!
Kai apanhou o colar na mão e saiu correndo feito louca
gritando o nome da amiga.
— Mili! Volta já aqui e nos abrace como gente!
Miliani virou-se como se só estivesse esperando alguém chama-la.
Seu chapéu saiu voando e ela não se importou, voltou correndo e caiu nos braços
de sua melhor amiga. Mili agora chorava muito — não de tristeza, mas de uma
saudade que sabia que iria sentir até o fim de sua vida. Era o preço de seus
sonhos e suas vontades. Quem sabe algum dia lá na frente pudesse retornar com o
sorriso de quem cumpriu cada um deles.
— Eu amo vocês! Vocês são as pessoas mais importantes na
minha vida! — disse Miliani, esticando o braço para acolher Hal que agora
ajoelhava-se para unir-se ao abraço.
— Eu sempre serei sua Kailani. Sua primeira experiência.
Indomável. Ardente — disse a moça que debaixo do sol brilhava feito ouro. — Vá,
minha linda. Minha fofa. Minha musa. Minha deusa de cabelos prateados. Minha
lua.
Kai prendeu o colar que comprou no pescoço dela.
Atirara-o no mar, mas de alguma maneira o mar o trouxe de volta.
— Use isso. Vai te proteger, eu estarei te olhando
sempre.
Naquele instante não importava se o colar se tratava ou
não de um artesanato barato. Para Mili, era como um totem que seria guardado a
sete chaves.
— Obrigada, Kai! Eu amo muito vocês, ouviram? Muito! Muito!
Muito!
E ela continuou a repetir “muito” até que fechassem as
portas.
O pequeno Rockruff ainda latia para o barulho das
bobinas do avião. Popplio acenava para com uma das nadadeiras.
Mais tarde Hal contou que o colar fora milagrosamente
encontrado por Ika enquanto ele pescava Magikarps com seu irmão Uko. Hal
prometeu que lhes compraria pizza durante uma semana inteira em troca daquele
caridoso presente que tinha “valor inestimável”. Encontrar o colar dentro da
barriga de um peixe, só podia ser história de pescador!
Mili finalmente entrou no avião e se acomodou ao lado de
sua nova família. Sentiu um arrepio na nuca quando soube que ele estava prestes
a voar como um Skarmory gigantesco. A região de Alola logo não passaria de quatro
ilhas perdidas no meio do oceano azul.
— É a primeira vez que ando de avião — admitiu Miliani.
— Dá um friozinho na barriga quando sobe, mas você vai
gostar — falou Dylan. — Uau, que colar lindo! Eu não tinha reparado que você
estava usando.
Mili olhou para ele e sorriu.
— É o meu sol!