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Ohana Dreams (Capítulo 9)

O sol brilhava forte e a região tropical na Ilha Melemele convidava seus habitantes a aproveitarem o melhor daquele dia. Dylan gostava do mar, era como seu segundo lar, adorava surfar e mergulhar, mas a simples ideia de uma viagem por trilhas na floresta e rotas inexploradas foram o suficiente para incentivá-lo a experimentar algo novo.
 Na última noite Hal viu um estranho feixe luminoso no céu e pensou tratar-se de uma estrela cadente, mas o misterioso objeto atravessou a estratosfera com velocidade e caiu precisamente em algum lugar daquela selva. Se não descobrisse o que era, tinha receio de não dormir até as aulas voltarem.
Mili não se interessou nem um pouco com a ideia. Seu irmãozinho correndo perigo na zona tropical cheia de Pokémons selvagens! Só concordaria se Hal estivesse acompanhado de alguém forte e corajoso o suficiente para enfrentar todos os perigos tanto que Dylan foi o escolhido, por ironia do destino ou não. Mili permaneceria na mansão junto do Barão e da Baronesa, a Sra. Renée praticamente a adotara como uma segunda filha e pareceu empolgada para mostrar-lhe fotos e lembranças antigas de sua família. Ika e Uko saíram logo depois do café da manhã na companhia do Sr. Maximiliano que ofereceu uma indicação para que os dois encontrassem algum emprego na vila.
Enquanto isso, Hal e Dylan davam início ao seu empolgante programa em família.
— E agora estamos aqui, cunhadinho. Vamos atrás de um tesouro desconhecido vindo do espaço sideral! — falou Dylan enquanto fazia seu caminho entre as rochas, apoiando-se em um pedaço de madeira na tentativa de esconder seu cansaço.
— Eu já falei que não precisava vir — respondeu Hal mais a frente, sem se dar ao trabalho de olhar para trás. — Eu trouxe o Dia comigo, estaremos seguros.
— Tá brincando? E perder a oportunidade de explorar essa mata densa? Quando eu morava em Hoenn entrei sozinho na Granite Cave e consegui sair de lá inteiro sem ser devorado pelos Zubats. Sem nenhum Pokémon com a habilidade Flash! Meu segundo nome é Aventura, cara, e juntos nós formamos... A Aliança Aventuras!
Dylan riu de sua própria piada, parando para apoiar-se em seus joelhos no meio do caminho. Em seguida retirou um Max Repel da mochila e começou a passar por todo o corpo para se livrar dos mosquitos que o incomodavam. Dava para sentir o cheiro na floresta inteira.
— Na verdade fiquei sabendo que meu amigo Iz estava meditando e estudando plantas por essas bandas, então pensei em vir dar um “oi”.
— Imaginei. Você não tem cara de quem gosta desse tipo de aventura. Entrar no meio da mata, estar em contato frequente com a natureza — brincou Hal.
— Não curto nem pisar na grama sem chinelo, cara. Mas já que estamos aqui, vamos procurar logo essa estrela cadente e voltar para a sua irmã. Mal posso esperar para tomar um banho de mar e me livrar desses mosquitos.
A escalada era íngreme, cheia de pedras escorregadias e vegetação alta. Dylan podia não gostar muito da sensação de estar sufocado pela selva densa, mas não podia negar que a visão de dentro dela era deslumbrante. Via Pokémons que nunca sequer imaginara que existiam, flores e frutos nativos de Alola. O ar era mais puro do que em qualquer outro lugar que já pisou, era como um santuário mantido pela própria natureza.
Assim que alcançaram o cume da montanha, Hal chamou-o para que viesse mais depressa.
— Dê só uma olhada nessa vista.
Dylan respirou fundo e subiu. Lá de cima pôde enxergar toda a Ilha Melemele e suas ilhas vizinhas como pontinhos pequenos no oceano. O Vilarejo Iki não passava de um pequeno aglomerado de caixinhas na costa, a imensidão azul se estendia pelo horizonte, separando céu e mar em mantos azulados. Por um instante teve a impressão de que avistara um Wailord saltar do oceano, mas ele mais parecia um pontinho minúsculo menor que seu dedo.
Dylan estendeu os braços e sentiu a brisa bater, como se fosse capaz de voar.
— Eu espero que este lugar jamais seja descoberto pelo homem.
— Por que diz isso? — indagou Hal.
— Sei lá, acho que o contato com a empresa do meu pai me fez reparar um pouco mais nas coisas ao meu redor. Existem alguns santuários nesse mundo que não deveriam ser descobertos, ou eles deixam de ser sagrados. Aqui é onde vive uma fauna única, estamos completamente sozinhos, é como se fosse a primeira vez que me sinto igual à natureza e a todo o resto, e não superior.
Hal meneou a cabeça, pensativo com o discurso.
— Quando eu crescer, prometo que protegerei esse lugar com todas as minhas forças. Não importa quanto tempo passe, aqui será o nosso refúgio.
Os dois decidiram fazer uma pausa antes de continuarem a jornada. Hal acendeu uma fogueira usando duas pedrinhas recolhidas por seu Rockruff, o Pokémon cão era ótimo em encontrar a pedra ideal para esse tipo de tarefa. Dylan riu, porque se dependessem dele acabariam tendo de comer comida crua ou ficar para sempre no escuro quando anoitecesse. Eles colheram berries e se alimentaram enquanto conversavam e recuperavam as energias. Hal retirou um mapa de sua mochila e mostrou-o para seu companheiro, tentando traçar a rota que iriam percorrer.
— Eu vou começar a explorar a parte oeste da floresta com o Dia. Você fica com a outra.
— E se nós nos perdermos? E se não conseguirmos nunca mais nos encontrar? Absolutamente, não — respondeu Dylan num tom autoritário. — Sua irmã me escalou para essa aventura para que eu ficasse de olho em você. Vamos ficar juntos.
— Mas eu trouxe um mapa justamente com essa finalidade. E podemos nos localizar através de pegadas, não é tão difícil.
— Garoto, entenda que minhas chances de sobrevivência aqui são quase nulas sem você, estou fazendo isso por nós dois. Eu sou um cara da cidade e você é o caiçara. É a sua vez de ser minha babá.
— Tudo bem — Hal escondeu uma risada.
Os dois seguiram seu caminho pela floresta até cruzarem com um riacho e uma ponte de madeira. Aquele era um sinal de que eles estavam chegando até algum tipo de civilização, ou que pelo menos outras pessoas já haviam percorrido aquela rota no passado. O caminho foi divertido porque Dylan tentava identificar uma variedade de criaturas, reconheceu insetos que se escondiam debaixo da terra como os Grubins e Cutieflys que voavam ao seu redor.
— Acho que elas estão tentando chupar o meu sangue — falou Dylan.
— Não esquenta, as Cutiefly só se alimentam de néctar — respondeu o pequeno Hal, que conhecia muito dos Pokémons nativos de Melemele por sua convivência com eles. — Certa vez eu ouvi que os Cutieflys são particularmente atraídos por emoções, sejam elas felizes ou tristes. Pelo visto você tem um gosto adocicado para eles, veja só quantos voam ao seu redor!
Dylan tentava espantá-los no começo, mas logo teve vontade de levar um deles para casa, pois eram tão fofinhos com seus olhinhos grandes e perninhas longas.
— Mas e você, maninho... Por que essas criaturinhas não voam em volta de você?
— Sei lá, acho que eu não sinto nada.
— Isso é meio estranho para alguém da sua idade. Crianças deveriam estar brincando de bolinha de gude, empinando pipa e jogando futebol com os amigos.
Hal enfiou as mãos no bolso enquanto andava, imerso em reflexões.
— Eu tive essa fase, mas acho que as obrigações vieram mais depressa... Meus amigos ainda saem para brincar na casa uns dos outros, mas eu... não vou mais. Não tenho tempo para esse tipo de coisa.
— Garoto, você só tem doze anos! Tem que sair mais, viver mais.
Hal escondeu o fato de que ele não era mais chamado para nenhuma festa. Ninguém o convidava para dormir em sua casa ou ficar a tarde inteira se divertindo na rua. Após a morte de seus pais, tudo mudou drasticamente. As outras crianças viam uma espécie de barreira invisível a sua volta, não podiam fazer brincadeiras, porque ali estava uma criança que já “sofrera demais”.
— Parece que todo mundo sente pena de mim... — ele fechou seu punho com força e Dylan pôde sentir certa demonstração de raiva naquele gesto.
— Olha... Às vezes as pessoas só querem o melhor pra você, Hal. Sentir pena é um gesto de compaixão. Significa que eles se importam. Sei que você adora esse vilarejo, é o lugar aonde você pertence, mas não se constrói uma vila sozinho, você precisa de trabalho em equipe para erguer cada tijolo e construir sua morada. Se um dia você vier a lidera-los, vai precisar do carinho e apoio de cada um deles.
Hal continuou a encarar o chão, sentindo certa culpa por compartilhar pensamentos tão egoístas. Dylan o alcançou e colocou o braço em volta de seu ombro de forma que os dois fossem seguindo a trilha na companhia um do outro.
— Nós podíamos empinar pipa qualquer dia desses. Sou o mestre das pipas. Eu estava até pensando em convidar você e sua irmã para passar uns dias na minha casa em Hoenn, acho que seria bacana que vocês conhecessem o continente, vai que acabam gostando, e...
— Você pretende voltar para a sua terra?
— Bom, sim, quero dizer, não agora. As férias estão acabando, não posso ficar em Alola para sempre. Ou melhor, eu até posso, mas antes precisaria acertar alguns negócios, essas coisas de adulto.
— Minha irmã te acompanharia sem pensar duas vezes.
Dylan parou pensativo e depois concordou com a cabeça.
— É. Eu sei.


A Sra. Renée mostrava um álbum de fotografias para Miliani após o almoço. Mili usava um vestido lindo azulado, ela ficava linda em qualquer roupa com seus longos cabelos prateados que já começavam a mostrar a raiz morena, por isso logo precisaria pintar. As criadas lhes serviram chá enquanto as duas conversavam como amigas de longa data.
— Esta aqui é a minha terceira filha, a mais nova. Eu e o Max tivemos três filhos que nos deram cinco netos lindos, só uma pena que eles não venham passar tanto tempo com os avós. São muito ocupados — disse a velha senhora.
— São todos muito lindos — concordou Miliani. Sempre adorou olhar álbuns de família, por mais que hoje não suportasse mais olhar os seus sem chorar. — O Dylan deve sentir-se orgulhoso por ter pais como você.
Mili continuou observando as fotos. Não entendia muito de genética, mas ligando os pontos percebeu algo incomum. O Sr. e a Sra. Maximiliano tinham olhos castanhos e cabelos bem pretos quando jovens, assim como seus outros três filhos, Dylan era um loiro lindo de olhos claros, com fortes traços dos habitantes de Sinnoh. Mesmo que Dylan fosse o mais novo, ele não era visto em nenhuma das fotos antigas do álbum. Era como se ele subitamente aparecesse em uma página aleatória como um menino já crescido e tomasse conta de todos os capítulos posteriores.
Foi então que as peças do quebra cabeça começaram a se encaixar.
— Sra. Renée, espero não estar sendo indiscreta, mas... o Dylan é adotado?
A velha senhora respirou fundo e lentamente concordou com a cabeça.
— Sim, querida. Nosso Dylan foi adotado. Não dá para esconder a diferença de idade e aqueles lindos cabelos dourados, não é? Céus, eu e meu marido temos idade para sermos os avós deles mesmo! Nossos filhos já estão todos crescidos, eles criaram asas como passarinhos e foram formar seus próprios ninhos em outras árvores enquanto o nosso tornou-se vazio e sem cor. Foi então que um incidente colocou Dylan em nossa frente... Ele é o nosso pequeno tesouro.
Mili mordeu seu lábio inferior e segurou o choro para não fazer feio.
— Ele nunca mencionou nada parecido... E-eu sequer imaginava.
Mili sentiu-se culpada. Lembrou-se do dia em que conhecera Dylan na sorveteria VaniDelluxe e usou a morte de seus pais como forma de se esconder, sendo que ele também teve experiências trágicas no passado, e mesmo assim conseguia trazer um sorriso no rosto. Queria abraça-lo e dizer o quanto aquilo importava, precisava agradecê-lo pelo sorriso terno e o silêncio discreto. Aquilo os ligava de uma forma que não sabia como explicar. Eram duas peças quebradiças que se encaixavam com perfeição, ambos compreendiam a dor mútua. Ambos poderiam ajudar-se a reerguer-se.
Miliani levantou-se e agradeceu a Sra. Renée por compartilhar um segredo tão íntimo, mas agora precisava de um tempo para pensar. Trancou-se em seu quarto e foi até a varanda, observado a montanha distante.
— Oh, Dylan... Por que escondeu isso de mim?


A longa jornada atrás da estrela cadente já se estendia por quatro horas. O sol estava a pico e os cantis de água estavam prestes a secar, foi obra do destino encontrar uma pequena aldeia no meio na montanha onde viviam monges que buscavam autoconhecimento, concentração e paz espiritual. Dylan reconheceu de imediato seu amigo Izrael que já estava há quase uma semana vivendo entre eeles.
— Caraca, velho, você está quase virando um ancião sagrado! Olha só para essa barba e esse cabelão. Quando foi que subiu de classe? — falou Dylan com uma risada, cumprimentando-o num forte abraço.
Izrael vestia uma longa túnica verde enquanto permanecia sentado com as pernas cruzadas sobre uma cama de palha. Ele fez sinal para os visitantes e gesticulou com as mãos
— Em minha estadia nestas terras deslocadas, descobri meu verdadeiro eu interior — ele falou de forma enigmática, depois se levantou, arrancou a túnica e calçou seus chinelos, voltando a ser o Iz que todos conheciam. — Peguei vocês! Não consegui aprender nada aqui, os monges não me deixam escutar reggae enquanto relaxo, mas deu pra me divertir bastante. Agora chega mais, galera, quero mostrar uma parada irada!
Izrael guiou-os até o templo construído em homenagem ao lendário guardião da Ilha Melemele, o Tapu Koko. Hal já ouvira falar de tal lenda compartilhada pelos anciões da vila. Diziam que em tempos de necessidade, Tapu Koko protegia seu lar, os Pokémon e as pessoas.
— Será que ele esqueceu da gente então? — indagou o jovem Hala.
— Não diga bobagens, maninho! E aquela enorme pedra que despencou da montanha e não acertou a casa de vocês por pouco? Acha que foi coincidência? É obra de Tapu Koko, você deveria acreditar mais nessas coisas! — Dylan reclamou.
— Falou o cara que ficou rindo na hora da oração do Ika.
— Eu ri porque a voz dele era engraçada.
— Galera, galera. Relaxem — falou Izrael, segurando os dois pelo ombro. — Hoje vocês vieram aqui com um propósito: relaxar.
— Não, não, na verdade viemos caçar uma estrela cadente — continuou Hal.
— Ah, então vocês também estão aqui por causa do Pokémon que caiu do céu?
Depois de compartilhar o ocorrido da noite passada, Izrael confirmou a história de que um clarão vindo dos céus caiu em algum lugar da floresta densa e por lá permaneceu. Iz concordou em ajuda-los na procura, de fato, estava muito curioso para descobrir o que era e se prontificou em guiá-los até o local.
O grupo seguiu por cerca de vinte minutos na trilha até alcançar uma área onde a estrada desaparecia. Caso se distanciassem muito do vilarejo, corriam o risco de terem que passar a noite ao relento.
Hal tinha a frequente impressão de que estava sendo observado, mas devia ser coisa da sua cabeça. O Rockruff caminhava com o rabo entre as pedras bem perto de seu treinador, adorava sair latindo e correndo atrás de insetos menores, mas as criaturas que ali habitavam eram maiores e mais ameaçadoras.
Quando finalmente alcançaram o local indicado, avistaram um enorme buraco na terra. Algumas árvores estavam sem folha alguma por conta do impacto, a floresta parecia inquieta. No centro da cratera havia uma misteriosa rocha suja de terra de tamanho modesto, cerca de trinta centímetros. Dylan foi o primeiro a descer e constatou que haviam estranhos símbolos incrustados nela. Tinha uma carapaça blindada, o exterior rochoso era formado por placas separadas em duas grandes rachaduras.


— Isso... é um meteoro que caiu do céu? — perguntou Hal.
— Eu não faço ideia — confirmou Dylan.
— Irado — continuou Izrael.
Eles observavam o estranho meteorito, sem terem noção de tamanha descoberta que haviam feito.
— Poderíamos levar para meu pai dar uma olhada — Dylan prontificou-se. — A Corporação Devon é especialista em pedras e materiais raros, quem dirá o que essa descoberta pode significar para eles!
Os três desceram até o buraco com cuidado e precisaram unir forças para retirar a pedra dali, ela pesava cerca 40 quilos. Assim que a colocaram na grama, a carapaça dura rachou-se no meio, liberando dali uma criaturinha brilhante de cor pastel. Tinha olhos expressivos formados através de uma energia mística e agora flutuava ao redor dos viajantes, muito interessado.
O Pokémon fez um barulho alto e brilhou com força. Continuou a rodopiar cada um deles, como se agradecesse os humanos por libertá-lo de sua prisão. Ele então subiu até o céu e desapareceu misteriosamente.
— Irado — falou Iz. — Se estivesse sozinho, ninguém acreditaria nessa história.
— Tenho a impressão de que deveríamos tê-lo capturado — constatou Dylan. — E agora?
— Acho que era um Pokémon mesmo, talvez um que nem tenha sido registrado ainda — falou Hal, recolhendo os restos da armadura deixada para trás. — Incrível, fizemos uma descoberta inédita! Vamos levar isso para seu pai, deve valer alguma coisa.
— Demorou!
Hal e Dylan encaixavam os pedaços que conseguiam em suas mochilas, mas seria desgastante levar aquele peso todo montanha abaixo. Izrael coçava sua orelha quando teve a impressão de que ouviu um zumbido forte, mas seus amigos também notaram que algo muito estranho se aproximava da clareira. Diversos Pokémons apareceram correndo por suas vidas quando uma centena de Vikavolts selvagens disparavam faíscas de forma violenta.


— E-eles parecem meio bravos que nós invadimos sua casa— disse Hal.
— Não tem nada mais clichê do que um ataque de insetos no mundo Pokémon! — berrou Dylan. — Agora só falta a garota da equipe sair correndo e gritando!
— Calma, galera, tá tudo sobre controle — falou Izrael, respirando o ar a plenos pulmões e depois soltando tudo para fora antes de sair correndo gritando. — NÓS VAMOS MORRER AQUI!
O grupo disparou para fora da clareira, mas era difícil desviar-se de tantos obstáculos e criaturas selvagens ao mesmo tempo. O primeiro Vikavolt que atacou foi direto para cima de Hal, mas Dia pulou em sua frente golpeou a criatura com uma mordida cabeçada. O cãozinho tentou defender seu dono com uma mordida, mas o inseto disparou uma onda elétrica que o fez ganir para longe, acuado.
— Dia, cuidado! Você não pode enfrenta-los!
Por um caso você já treinou esse cachorro na sua vida?! — gritou Dylan.
— N-nós o ensinamos a dar a patinha e a sentar antes de dar ração, mas fora isso...
Izrael parecia já ter recuperado sua compostura e agora repetia para si mesmo:
— Tá tudo sobre controle, galera. Tá tudo sobre controle.
— Não, Iz, pela primeira vez manter a calma não vai ser a solução — continuou Dylan.
Izrael ergueu o indicador para os dois e pediu que fizessem silêncio. Os Vikavolts ainda estavam lá fora, não havia como fugirem sem serem notados.
Iz retirou uma pokébola do bolso do shorts e jogou-a no ar. A esfera revelou um enorme dragão muito parecido com seu dono, ele tinha uma cabeleira branca como as nuvens e seus olhos pareciam estar em outra dimensão. Era um Drampa que parecia ter sido capturado recentemente, mas já desenvolvera grande afeição ao seu treinador porque ambos adoravam meditar em tardes tranquilas.
— Galera, que conheçam o Falkor. Nós formamos uma dupla irada, né?
— Estou torcendo para que ele não seja lerdão que nem você — respondeu Dylan.
— Melhor não irritá-lo, parceiro, você não ia querer ver um Drampa com raiva...


O Drampa soprou um poderoso Dragonbreath contra os Vikavolts, obrigando-os a voltarem para seus esconderijos sem ter de feri-los, mas toda a floresta agora estava um caos. A invasão de humanos em seu santuário fez com que os Pokémons selvagens fugissem de medo e atacassem outras espécies em seu caminho. Hal sentiu-se culpado por causar tamanho alvoroço em sua busca.
— Nós precisamos fazer alguma coisa, Dylan!
— Nós precisamos é dar o fora daqui! — respondeu o rapaz.
— Não era para nada disso ter acontecido, desculpe ter metido vocês nessa!
Foi nesta hora, vendo o desespero do garoto, que Tapu Koko revelou-se para eles e olhou especialmente para Hal, como se interessado pela criança. As lendas se provaram verdadeiras quando o guardião totem da Ilha Melemele percorreu a floresta em sua frente e aquietou cada criatura, mandando-os de volta para seus lares.
Depois que Tapu Koko percorreu a clareira, ele encarou o jovem Hala em silêncio, como se aceitando suas desculpas. Hal sentiu que precisava acompanha-lo, de alguma forma era como se estivessem conectados. Eles subiram nas costas do Drampa que voou pelo céu, como o dragão da sorte em História Sem Fim. Eles voaram por toda a região acompanhando Tapu Koko mais a frente, e por onde ele passava novas plantas surgiam e o solo se tornava saudável de novo. Os destroços após o fim da tempestade foram varridos, novas árvores brotaram e o mar limpou completamente as impurezas deixadas pela tempestade.
Melemele parecia ser uma ilha em todo seu esplendor, mais linda do que nunca. Eles se sentiram os reis do mundo.
E foi assim que chegamos aqui — resumiu Dylan, encerrando sua história.
Miliani estava com a cara de quem não entendera absolutamente nada ou que se perdera na metade.
— Então vocês se depararam com uma criatura sagrada cultuada pelo povo da ilha e que existe apenas nas lendas dos mais velhos... Depois encontraram um pedaço de meteoro... Foram atacados por baratas elétricas gigantes... E saíram voando num dragão... — Mili respirou fundo. — ...têm certeza que não fumaram erva nenhuma?
— Absoluta, estão guardadinhas para ocasiões especiais — disse Izrael, soprando uma cortina de fumaça no ar da sala de visitas com as pernas esticadas. — Irado, né não? No mosteiro me ensinaram que “Há muitas coisas que não se aprendem só pensando, é preciso vivê-las.”
— É a primeira vez que ouço algo inteligente vindo de você.
— Valeu, irmão. Também te amo.
— Eu sabia que ninguém acreditaria na história — respondeu Hal, mostrando a carcaça retirada do Minior. — Por isso trouxe um souvenir da nossa aventura!
Hal mostrou a carcaça e o Barão Maximiliano encantou-se com a surpresa. Aquele material com certeza não era da terra, os pesquisadores de Hoenn poderiam aprender muito através dele, quem sabe até desenvolver espaçonaves e equipamentos da NASA ou coloca-la em um museu para ser contemplada.
— Este é o meu presente para o senhor. Por tudo que fizeram por nós.
— Seu coração é feito de ouro, meu garoto — disse o Tio Max, que nunca antes imaginou deparar-se com tamanha descoberta em sua viagem de férias. Ele fez sinal para que o garoto aguardasse e logo voltou um presente. — Quero que fique com algo. Encomendei uma Leaf Stone da Corporação Devon, afinal, trabalhamos com pedras raras. É para que você evolua o pequeno Barãozinho quando mais precisar. Não é bom para um Exeggcute ficar sozinho, talvez ele precise de companhia quando achar que está pronto. Faça bom uso dela.


Ainda naquela noite, Dylan foi até quarto de Miliani para desejar-lhe boa noite. Hal estava no banheiro tomando banho e a mulher parecia muito cabisbaixa com alguma coisa. Ele sentou-se ao seu lado, mas manteve certa distância, não queria invadir seu espaço. Mili falou então:
— Por que não me contou que você era adotado?
Dylan deu de ombros com naturalidade.
— Sei lá. E isso importa?
— É claro que importa. Eu também perdi meus pais, é difícil seguir em frente com essa dor, mas você consegue agir como se nada tivesse acontecido.
— Talvez eu já tenha me acostumado.
— Nunca nos acostumamos com esse tipo de coisa. Você foi tão receptivo e sorridente quando nos conhecemos, me sinto até culpada por tentar parecer frágil e fazer disso uma desculpa...
— Está louca? Você perdeu seus pais recentemente, eu nem sequer os conheci! Você tem todo o direito de ficar triste, nossa obrigação é fazê-la feliz. Se quiser saber, eu só não enlouqueci porque meus pais adotivos são maravilhosos para mim, porque tenho amigos divertidos e porque conheci... você.
Ele levou a mão até o queixo da moça.
— Você me salvou.
Mili não se aguentou e jogou-se nos braços dele, roubando-lhe um beijo que vinha segurando há muito tempo. Seus lábios se tocaram de maneira singela, como se estivessem fazendo algo errado, cometendo um crime. Com o quarto abafado e o suor no corpo, eles se deitaram ali mesmo. Naquele instante não existia Kai, não existia mais ninguém.
Hal acabava de sair do banheiro com sua escova de dentes na boca e uma toalha no pescoço quando viu a cena e recuou lentamente. Os dois nem notaram. Foi Dylan quem parou primeiro, ele levantou-se e despediu-se acanhado com um gesto da cabeça, depois foi embora. Hal continuou encolhido contra a parede, gostava muito de Dylan, gostava ainda mais de sua irmã que era a mulher mais importante da sua vida.
Mas naquele instante só conseguiu pensar em como Kai se sentiria.

   

Ohana Dreams (Capítulo 8)

Uma enorme tenda erguia-se em meio à região onde antes existia apenas um amontoado de lixo e criaturas selvagens. Miliani não estava preparada para sair em um encontro, não trouxera nenhuma roupa desde o incidente em sua casa, mas a Sra. Renée fez questão de emprestar-lhe um vestido de sua filha que estava guardado há quase uma década — depois de devidamente lavado, secado e perfumado, caiu-lhe muito bem. Nunca saiu de moda. O último detalhe foi uma flor delicada na cabeça, mas ainda estava envergonhada por usar um vestido que custava mais do que todo seu salário de um ano. Dylan andava só de shorts e camisa florida, poderia passar-se por um dos nativos com facilidade.
Hal não conseguia conter sua ansiedade, correu o mais depressa que pôde até a beirada da colina para enxergar um evento inédito em toda sua grandeza. Diversas luzes iluminavam a rota que do circo que acabara de ser instalado, o primeiro espetáculo seria inaugurado ainda naquela noite. Uma das maiores atrações era que treinadores e Pokémons podiam compartilhar espaço nas arquibancadas, fazendo jus ao seu tamanho monumental. Naquele tempo as pessoas ainda adoravam circos, era uma das formas de arte mais influentes do mundo, um programa incomum em meio à rotina pacata de muitos durante a semana.
Hal andava junto de sua Popplio, ela estava tão ansiosa quanto seu dono. Miliani prendera Rockruff na coleira para que o cãozinho não saísse espalhando o caos, por isso Dia teve que se comportar. Por um instante eles pareciam uma família grande e feliz.
— Vocês podem ir procurando os assentos? Vou comprar algumas pipocas e batata frita — falou Dylan, entregando-lhes os ingressos.
Miliani estava ali, perdida no meio de tantos turistas e pessoas de diferentes regiões. Estava acostumada à atenção que recebia na Cabana do Luar onde trabalhava, mas a repercussão do circo era cinco vezes maior. O público era refinado, o povo mais simplório de Alola nunca poderia pagar uma entrada. O trabalho dos artistas ali era reconhecido, a mera possibilidade de viajar mundo afora junto de tantas pessoas habilidosas a fez sibilar um sorriso. Um enorme letreiro neon brilhava com letras garrafais: Sunset Circus.
— Está pensando em como seria trabalhar em um lugar desses? — perguntou Hal para sua irmã. Ele a conhecia muito bem.
Mas o sorriso dela aos poucos foi desaparecendo.
— Eu não poderia. Tenho que cuidar desse pestinha — Mili respondeu, afagando sua cabeça.
— Fala sério, você está deixando de seguir os seus sonhos por minha causa? Não faça isso, sério, eu vou ficar muito triste.
— Não estou deixando nada de lado, querido. Essa vida de fama só não é para mim, não acho que eu poderia me tornar uma líder de ginásio famosa, ou quem sabe até uma artista, tem gente que não nasceu para isso. Eu só queria... — ela desviou o olhar. — Uma vida tranquila.
— Você se acomodou desde que aquele dia... — o dia da morte de seus pais.
— O que eu posso fazer? — Mili soltou um longo suspiro, tentando enxergar as estrelas no céu sem muito sucesso por conta da claridade. — Alguns acontecimentos nos fazem crescer rápido demais.
O pequeno Rockruff não parava de latir, havia tantos Pokémons e cheiros diferentes. Os dois ainda aguardavam na entrada quando um estranho homem com o rosto pintado de branco e vestes monocromáticas apareceu na companhia de seu Mr. Mime. Ele parecia ser um mímico, porque não falou nenhuma palavra e apenas gesticulou para eles. Hal riu ao perceber que o mímico se aproximou de sua irmã e começou a fazer sinais faciais e gestos, indicando que ela era muito bonito. Seu Rockruff, que agora latia com ainda mais força, parecia não querer companhia. O mímico olhou para seu Mr. Mime que fez um gesto pensativo, depois retirou algo invisível de uma bolsa imaginária, fazendo movimentos estranhos em volta do cachorro. Neste mesmo instante, Dia parou de latir e se comportou, como se um manto invisível o cobrisse. A pequena plateia que estava na entrada aplaudiu a demonstração e o mímico agradeceu todos com um gesto cortês.
— Como é que ele fez isso? — indagou Hal, maravilhado.
— É mágica! — falou outra menina na fila.
Senhorita Chefe, a Popplio de Hal, caminhou em direção do mímico e seu Mr. Mime e apoiou-se nas nadadeiras de trás, como se pedisse um último truque antes do espetáculo de verdade. O mímico silencioso fez sinal pensativo e teve uma ideia, fazendo o clássico sinal de que havia uma barreira invisível entre eles. O Mr. Mime entendeu o recado e começou a fazer o mesmo.
No momento que Popplio tentou atravessar para o lado deles, ela acabou realmente batendo em uma barreira transparente, fazendo com que todos caíssem na risada.
Dylan logo voltou com as pipocas e aperitivos, seus amigos queriam que ele tivesse as honras de entregar os ingressos e ser o primeiro a entrar.
— Estava uma fila enorme, não precisavam...
Quando finalmente adentraram o interior do circo, Hal surpreendeu-se com seu tamanho. Havia pilares enormes sustentando sua estrutura, a lona nem de perto parecia tão grande vista de fora, pela forma como as bases se erguiam eles fariam uso de cada centímetro de seu interior, desde piruetas no ar junto de Pokémons voadores até saltos mortais em uma piscina minúscula. Dylan finalmente encontrou seus assentos no corredor D, eram os números 17, 18 e 19. Tiveram de esperar cerca de meia hora para que o espetáculo finalmente começasse, todas as cadeiras estavam cheias e não havia espaço disponível. Um homem gorducho e de cartola fez a entrada triunfal surgindo de um caixote trazido por dois Machokes, ele desejou as boas vindas ao seu respeitável público e fez as devidas apresentações.
A atração inicial ia desde malabaristas até dançarinas, uma Tsareena foi a celebridade da festa com todo seu glamour e carisma.
— Ela é linda demais! A Pokémon perfeita! — ouviu-se alguém gritar da plateia.
O mímico também voltou para a cena. Ele apresentou seu Mr. Mime com novos truques, levitando objetos em demonstrações surreais de seus poderes psíquicos. Na hora de fazer o público dar risada ele trouxe um Mimikyuu pequenino que entrou em cena. O mímico, envolto em mistérios, insinuou que iria desvendar o mistério sobre o que realmente existia debaixo do manto dos Mimikyuu. Ninguém jamais ousou retirá-lo, temendo uma maldição que não pode ser varrida por rezas ou amuletos.
A tensão era grande. Quando o manto foi retirado, toda a plateia praticamente gritou ao mesmo tempo ao descobrirem que era na verdade...


— UM BIDOOF! — todos caíram na risada, afinal, não se pode gostar de Bidoofs.
Aquele pobre Pokémon fora trazido da distante região de Sinnoh, obviamente não se tratava de nenhum Mimikyuu verdadeiro. Ele parecia bem triste e não recebia as risadas de forma positiva. Hal ficou um pouco chateado pela maneira como o público ria e se divertia com aquela criatura tão patética, como piada. Ao menos, contanto que o Pokémon estivesse em boas mãos com o circo, era melhor do que cair no time de algum treinador que o transformasse em um HM Slave, um escravo de movimentos.
Hal não percebeu que a um dado momento do show, sua Popplio desaparecera. Ele se levantou assustado e procurou por todos os lados nas arquibancadas até perceber que a Senhorita Chefe estava andando para o meio da pista onde os palhaços acabavam de entrar e iniciavam a próxima apresentação. Hal ergueu-se num salto, mas não tinha como impedi-la. Os palhaços viram o Pokémon curioso andando na direção deles e decidiram improvisar.
— O que temos aqui, Wilson?
— Acho que temos um Pokémon perdido, Wally.
Os dois apoiaram-se em seus joelhos e chegaram bem perto da pequena Popplio, esfregando seus narizes rosados um no outro.
— Você gosta de panquecas, amiguinho? Hein? Hein? — falou Wally.
— Seu idiota, não percebe que ela é uma fêmea? — reclamou Wilson.
— E como você sabe que ela é uma fêmea, seu cabeção?
— Da mesma forma que eu sei que você é um macho!
Todos riram na plateia e os palhaços ergueram a Popplio no alto para participar da peça. Era um improviso que acabou sendo muito bem vindo, a ideia de receber Pokémons dos visitantes interessou e muito o organizador do Sunset Circus que adorou o resultado. A Senhorita Chefe brincou em enormes bolas infláveis, fez graça e divertiu o público como se fosse parte do teatro. Ao final do show, os palhaços Wilson e Wally a ergueram no alto, e juntos, agradeceram o público num cumprimento cordial. A Popplio amou ser aplaudida junto dos demais artistas.
— A quem pertence essa adorável criatura? — perguntou um dos palhaços bem alto.
Mili cutucou seu irmão, pedindo para que ele levantasse.
— Estão chamando você!
— Vai lá, é a sua chance de aparecer! — Dylan também o incentivou.
— M-mas na frente de todo mundo?!
Dia escondeu-se atrás da cadeira do garoto e deu um latido tão alto que o assustou, fazendo-o levantar-se depressa. Os holofotes miraram nele e Hal foi obrigado a descer até o palco. O dono do circo o recebeu de braços abertos.
— Qual seu nome, garoto?
— É Hala Kameahookohoia.
— Saúde — falou um dos palhaços.
— Seu Pokémon é um artista nato! Uma salva de palmas para Hala e seu Popplio!
Hal estava extremamente envergonhado com a recepção calorosa de pessoas que nunca antes vira, mas sua Popplio simplesmente se deleitava. Ela nascera para aquilo, o som dos aplausos era seu combustível. Na primeira vez em que se perdera de seu bando nas águas frias de Alola foi porque ouviu o barulho de seres humanos nas proximidades, sendo imediatamente atraída para a costa. Acabou por encontrar-se com Hal que levava uma vida simples no campo, mas o primeiro contato com os holofotes da cidade a fez querer viver ali para sempre.
Os palhaços fingiram lágrimas quando tiveram de se despedir da Senhorita Chefe, a Popplio acenou com sua nadadeira e encheu o coração dos espectadores com compaixão.
Sua irmã e Dylan o aguardavam em seus respectivos assentos quando o espetáculo terminou. Ainda estava bem cheio, preferiam esperar a multidão sair apressada para somente depois se levantarem. Enquanto isso, teriam muito a rir e comentar sobre o ocorrido.
— Cara, você ficou vermelhão lá na frente! Ardendo feito um Slugma! — falou Dylan animado.
— E ainda dizem que sou eu que levo dom para o lado artístico — brincou Miliani.
— Não inventem coisa. Eu só fui buscar essa pestinha que em um dia já me fez passar mais vergonha do que em toda minha vida — falou Hal olhando para sua companheira.
Enquanto aguardavam, um sujeito de camisa listrada apareceu pulando as cadeiras até conseguir aproximar-se deles. Quando finalmente os alcançou, ajeitou o cabelo e falou com alívio:
— Ufa, sorte que ainda estão aqui! Pensei que já tivessem ido embora.
— Quem é você? — perguntou Dylan, desconfiado.
— Ah, desculpem, fico meio irreconhecível com a maquiagem. Eu sou o mímico da peça, meu nome é Michael.
— Você... fala? — perguntou Mili, decepcionada. O rapaz riu da inocência da garota.
— Claro, e para ser bem sincero, meus amigos dizem que falo até demais. Pois bem, vocês são os donos dessa adorável Popplio, não é? Meu chefe adoraria conversar um pouco mais, especialmente com o garoto. Estão interessados?
Michael levou-os até os bastidores do circo onde muitas pessoas já arrumavam os acessórios usados na festa, preparando-se para o espetáculo de amanhã.
— Senhor Mímico, posso perguntar uma coisa? — indagou Mili. — Que tipo de magia você fez para que meu Rockruff parasse de latir?
Michael sorriu com a curiosidade da moça.
— Não existe magia entre nós, humanos, mas nossos Pokémon são capazes de milagres. Aprendi a me comunicar com meu Mr. Mime através de gestos e pedi que ele utilizasse o movimento Role Play em seu Rockruff. Dessa forma, suas habilidades foram trocadas, o Soundproof de meu Mr. Mime foi transmitido ao seu cãozinho que imediatamente notou uma diferença drástica no barulho emitido por seu latido e isso o fez parar por algum tempo. Mas o efeito passa, logo ele estará latindo loucamente mais uma vez!
— E a parede invisível?
Barrier. Esse era meio óbvio, não? Se os Pokémons psíquicos conseguem entortar colheres com o poder da mente e levitar objetos, digamos que nosso show de mágica realmente é feito de pura magia!
Ao chegarem nos bastidores, o homem gorducho que parecia ser o mestre de cerimônias conversava com dois sujeitos sérios, um deles fumava um cigarro. Hal os reconheceu como sendo Wilson e Wally, os palhaços.
— Chefe, eu os encontrei — disse o mímico.
— Maravilha! Onde está? Onde está a nossa estrela?
A Popplio aproximou-se do homem que a pegou no colo.
— Coincidentemente, o nome dela também é Chefe — falou Hal.
— Oh, então temos aqui um dom nato para a liderança! Imagine só colocar essa mocinha na liderança, ela pode fazer piruetas em cima de nosso Zebstrika, saltar na piscina do Shellder, aumentar a repercussão dos palhaços!
— Nós vamos ter que ficar carregando essa coisa por toda parte? — perguntou Wilson, um dos palhaços que estava com o cigarro entre os dentes.  Agora não parecia tão engraçado ou alegre. Preferiu não ficar e ouvir a resposta, ele guardou o isqueiro e ajeitou a blusa antes de sair. — Vamos embora. Ainda temos alguns lugares para ir hoje à noite.
— Falou — respondeu Wally, o outro palhaço.
Apesar da estranha recepção, Hal e Miliani continuavam muito empolgados com o que viram na apresentação.
— O espetáculo do senhor é brilhante, é a primeira vez que vou a um circo e tive a melhor das experiências! — disse Mili.
— Oh, agradecido. Batalhei muito para chegar onde estou hoje. Gostariam de uma algo para beber? Vocês têm horário para voltar ou estão muito ocupados? Eu adoraria conversar melhor.
Os pais de Dylan não ligavam de eles voltarem tão tarde, contanto que não excedesse a meia noite. A Tsareena da apresentação de abertura logo veio trazendo uma bandeja com aperitivos e algumas xícaras. O homem de cartola serviu seus convidados com chá, biscoitos e queijo, perguntou se Miliani e Dylan eram os pais ou talvez os responsáveis por Hal, pois ele tinha muito interesse em fazer-lhe uma proposta.
— Garoto, você gostaria de deixar sua Popplio sob nossa proteção pelo período de uma semana? Gostaríamos de ver se ela se adapta aos nossos métodos, vamos treiná-la e oferecer alimento adequado, acredito que tenhamos aqui uma futura estrela, nunca vi tamanha habilidade!
— E-eu... não sei — murmurou Hal.
Ele sentia certa pressão, afinal, só tinha doze anos. Não fazia nem dois meses que conhecera Popplio, mas via nela uma grande amiga. Queria tê-la ao seu lado por mais tempo, tinha medo deles não a tratarem tão bem ou de que acabasse sentindo sua falta.
Vendo que havia a possibilidade de sua proposta ser recusada, o chefe do circo analisou bem as vestes e o porte da criança. Hal era simples. O homem serviu-lhe um pouco mais de chá e então falou:
— Bem, se interessar, podemos discutir a possibilidade de pagar uma boa quantia por cada apresentação de sua Popplio... Eu pago adiantado só pelos testes, dinheiro vivo, agora mesmo.
Ele retirou um bolinho de notas verdes enroladas e colocou-o sobre a mesa. Hal nunca pegara em tantas notas ao mesmo tempo, até mesmo Mili sabia que aquela quantia ajudaria muito com as contas, cerca de 150 dólares. Era um dinheiro seu, somente seu.
— O que me diz? — o homem do circo voltou a pressioná-lo.
Os pensamentos de Hal estavam muito conturbados, ele sentiu alguém tocar em seu ombro, mas para sua surpresa não era sua irmã.
— Cara, se for para topar, não é pelo dinheiro — falou Dylan. — É o sonho dela. Você sabe que sua Popplio tem dons artísticos, pode experimentar esse período de testes e, se não gostar, nós a levamos de volta.
Hal bem para sua companheira Popplio. Ele seria a voz dela.
— É só uma semana, não é?
O chefe concordou com a cabeça e lhe esticou a mão.
— Nem um dia a mais.
Hal finalmente aceitou a proposta, entregando a Senhorita Chefe nas mãos de seu novo mestre. Não havia pokébolas para que uma troca formal fosse feita, não houve nem contrato algum. O diálogo e sua palavra lhes eram suficientes.
— Oh, preciso começar imediatamente a criação de banners e flyers: “Popplio é a nova sensação do Sunset Circus!” Seu nome estará estampado no mundo inteiro!
Hal olhou para sua irmã e a primeira coisa que fez foi entregar-lhe o dinheiro. A moça fez que não com a cabeça, ele mesmo deveria guardar e decidir em como usaria aquela quantia. Ao menos seu coração era confortado pelo fato de que a Popplio desejava isso mais do que tudo. Ela daria o seu melhor, precisava pelo menos tentar.
Quando Hal finalmente deixou os bastidores, ainda sentia certo aperto no coração.
— Passa rápido, parceiro — disse Dylan colocando o braço no ombro do mais jovem. — Quando você menos perceber, ela estará com vocês novamente!


Não se falou mais nada o caminho inteiro da volta para casa. Hal e as irmã estavam tão maravilhados com o circo que por alguns instantes esqueceram-se completamente de suas preocupações, era justamente o que Dylan tinha em mente, eles precisavam esfriar a cabeça e divertir-se um pouco.
Quando retornaram à mansão, a primeira coisa que Dia fez foi começar a correr atrás do Meowth da família. Barulho e diversão tornou-se comum na morada do Barão Maximiliano que vinha tendo momentos agradáveis com suas visitas.
Dylan seguiu para seu quarto para tomar um bom banho, enquanto isso Mili finalmente deitou-se em sua cama de braços abertos e arrancou os sapatos que já machucavam seus dedos. Seu irmão deitou-se perto das pernas da moça e foi subitamente atacado por seu Exeggcute. Os dois riram e ficaram olhando para o teto adornado com desenhos de Pokémons Lendários, como se fosse o de uma catedral. As cortinas esvoaçavam ao toque do vento morno e o mormaço da praia.
— Hoje foi incrível — disse Miliani.
— Quando é que vamos voltar? — seu irmão perguntou sem olhá-lo diretamente nos olhos.
— Não sei, Hal... A Kai deve estar preocupada, precisamos começar a juntar dinheiro para reformar nossa casa. É meio injusto deixar que o Dylan resolva tudo, e a vila inteira foi devastada, a Kai têm ajudado os moradores locais com trabalho voluntário enquanto nós só ficamos aqui aproveitando...
— Eu quis dizer voltar ao circo...
— Ah — ela sorriu e virou-se para ele. — Agora você tem uma artista sob seus cuidados, terá de ficar de olho nela. Espero que eles possam treinar sua Popplio com dedicação, ela se tornará uma verdadeira celebridade!
— Vai sim — sibilou Hal, imaginando-a acima dos pedestais. — O mundo inteiro vai conhecê-la...
Na manhã seguinte, a primeira decisão de Hal de onde gastar seu dinheiro foi com sorvetes para todos no VaniDelluxe. Porém, para sua surpresa, o local estava fechado desde a tempestade, a vila ainda não conseguira se recuperar e muitos moradores não tinham sequer onde morar. Era uma paisagem triste que assolava a antes tão bela e animada Melemele Island.
— Bem, espero que ainda estejam servindo o almoço em casa — Dylan tentou animá-los.
Aproveitando a passagem pelo centro, Hal quis fazer uma visita ao Esconderijo para saber se Ika e Uko estavam bem. Praticamente não reconheceu a estrada que costumava frequentar — estava completamente destruída. Havia apenas caixotes quebrados, pedaços de madeira e lixo revirado, como se a cabana tivesse sido abandonado há muito tempo e o mar tivesse tratado de levar o que sobrou dela. Pela primeira vez desde o incidente, sentiu-se culpado por não procurar seus amigos antes.
— Será que eles estão... — Mili murmurou e Hal cerrou seu punho.
— Não! Eles estão em algum lugar na ilha! Vamos procurá-los!
Os três passaram a tarde toda percorrendo as ruas e trilhas da ilha. Não era difícil reconhecer dois sujeitos de pele escura, um gigantesco e outro magricela, ninguém os conhecia ou se importava com eles. Dylan falou que voltaria para a mansão para pedir ao mordomo Sebastian que chamasse seus seguranças para que já ajudassem na busca.
Hal só fez uma parada por volta das cinco da tarde, ele e sua irmã alcançaram a ponte que ligava ao porto, se Ika e Uko não estivessem ali só poderiam ter pego um barco para outra ilha.
— Eu preciso descansar — falou Miliani, apoiando-se em seus joelhos. — Vou voltar para a mansão e me encontrar com o Dylan.
— Não, não podemos descansar, Mili! Eles podem estar em perigo.
Hal estava para recomeçar sua busca do começo quando notou que uma pequena maçã mordida foi atirada de debaixo da ponte. Se conhecia bem, os Leftovers eram marca registrada de um certo alguém. Ele desceu o barranco até o riacho e deparou-se com Ika e Uko escondidos nas sombras, com suas vestes costumeiras, só um pouco mais sujos.
— Ika! Uko! — Hal falou alegremente. — Vocês estavam aqui o tempo todo?
— Fala, guri! Nosso Esconderijo antigo foi destruído, então nós decidimos dar entrada em nosso mais novo local de trabalho... Conheça o Santuário!
Estava completamente vazio, a não ser por alguns lençóis e pedaços de papelão.
— Os tempos têm sido difíceis — disse Miliani, pensando que ela também poderia estar morando na rua se não fosse pela ajuda de Dylan.
Hal tinha uma ideia em mente, só não sabia se estaria sendo ousado demais.


O Sr. e a Sra. Maximiliano tinham a impressão de que sua mansão começava a se tornar uma espécie de albergue. Dois sujeitos estranhos agora entravam descalços nos salões chiques da nobreza e sujavam o assoalho, o mordomo Sebastian não tirou os olhos deles e as próprias empregadas sentiram-se um pouco desconfortáveis a princípio, mas logo o Barão esticou os braços em sinal de compaixão.
— Bem, se são amigos de nosso Dylan, então são nossos também! — disse Tio Max.
— Aproveitem e jantem conosco, devem estar famintos — continuou a Sra. Renée.
Dylan achava a cena muito engraçada por nunca se lembrava do nome daqueles dois sujeitos, vivia chamando Ika de Uko e vice versa. Só tivera a chance de conhece-los um pouco melhor no aquário, mas fora o suficiente para divertir-se e querer repetir a experiência. Seus pais já estavam tão acostumados de vê-lo chegar em casa com estranhos que já não se importavam.
Enquanto se dirigiam até a sala de jantar, Uko viu um vaso muito bonito feito de cerâmica, retirado de escavações no fundo do oceano em Unova. Ele viu o objeto brilhante e tocou com desejo, mas seu irmão Ika deu-lhe um tapa forte na mão.
— Quê isso, rapaz? Tá ficando doido? Papai do céu tá olhando!
— É que ele é tão... bonito — resmungou Uko, massageando sua mão enorme.
Pela primeira vez em muito tempo, a mesa do banquete estava cheia. Antes de começarem a refeição, Ika pediu que eles dessem as mãos e fizessem uma rápida oração, agradecendo a hospitalidade e o carinho com que eram tratados. Uko pegou o enorme pedaço de pernil e colocou-o inteiro em seu prato, comendo como se não o fizesse havia pelo menos uma semana. A família do Barão só não tinha se preparado para tantos convidados, por isso apressaram-se em pedir que o cozinheiro preparasse mais comida.
— Aguentem só um instante, vou pedir ao meu chefe que faça novos pratos. Os senhores têm alguma sugestão?
— Sei que eles adoram pizza — falou Miliani com uma risada.
A Sra. Renée riu com a ideia.
— Céus, há quantas décadas não somos servidos com um bom pedaço de pizza?
— Isso me lembra dos tempos em que meu pai ainda cozinhava para nós — disse Tio Max com uma risada, sendo levado por memórias de quase cinco décadas atrás.
— Vamos lá, meu velho, peça dez sabores diferentes! — completou Dylan com empolgação.
Todos comeram até não aguentarem mais. As pizzas saíam da cozinha a todo minuto, Ika e Uko começaram a comer com as próprias mãos e os demais fizeram o mesmo até se lambuzarem por inteiro com as pizzas de brigadeiro e banana com doce de leite. O Sr. e Sra. Maximiliano compartilharam histórias e se divertiram com seus convidados, o simples vislumbre de mudança trouxe mais cor e emoção na vida de dois velhinhos sem grandes expectativas.
— Acho que vou explodir — falou Uko, debruçando-se sobre a mesa.
— Maluco, nunca comi tanto! — Ika falou como forma de agradecimento a todos ali presentes.
Ika e Uko foram alojados em um segundo quarto de hóspedes, pelo menos ali ficariam seguros e teriam conforto até que encontrassem trabalho ou ao menos um lugar para morar. Quando se dirigia ao seu quarto, Mili não sabia como agradecer Dylan pela calorosa recepção de seus pais.
— Mil perdões por todo o trabalho que estamos dando a você e sua família...
— Tá brincando? — o loiro riu e olhou para os lados, mostrando seus velhos pais que ainda riam e conversavam próximos à lareira, provando aperitivos e degustando uma boa taça de vinho. — Já passa da meia noite e aqueles dois estão acordados, há alguns dias atrás eles não tinham sequer assunto para conversar. Vocês têm noção o que fizeram?
— Foi... algo ruim?
— Não, pô. Meus pais comendo pizza com as mãos na sala de jantar! Eu nunca tinha visto isso na minha vida! É sério, se tem alguém aqui que precisa agradecer, este aqui sou eu.
Miliani ficou encabulada, sentia-se constrangida com a ideia de atrapalhá-los o tempo todo. Pelo menos assim se sentiria mais à vontade. Mili deu um beijo suave na bochecha de Dylan e desejou-lhe boa noite antes de voltar para o quarto. O surfista andava pelo corredor como se enfrentasse uma onda feroz, mal conseguiu manter-se pé, por mais singelo que fosse o beijo mexera com ele. Já era um avanço.
Mili estava para ir deitar-se quando notou que seu irmão não estava na cama. Hal puxara uma cadeira de praia e agora contemplava o céu noturno na varanda com Dia em seu colo. Sua irmã acariciou seu cabelo e pediu que não demorasse, afinal, os dois tiveram um dia cheio e agitado.
O menino continuou ali por cerca de meia hora, nenhuma nuvem cobria o céu e ele tinha muito o que pensar sobre sua vida e o que o aguardava dali para frente depois que as férias acabassem. Dia já adormecera em seu colo, ele estava para levar seu cachorrinho para dentro quando avistou um estranho brilho que percorreu o céu.
Pensou tratar-se de uma estrela cadente, era a primeira vez que via uma. Não sabia se deveria fazer um desejo ou uma oração como Ika sempre fazia. Ele entrelaçou suas mãos e se certificou de que sua irmã já estava dormindo, ficaria meio desconfortável caso alguém estivesse ouvindo. Não queria pedir nada, só agradecer, mas tentou mesmo assim.
— Oi, estrela. Obrigado pela viagem ao circo hoje, foi muito divertido. Obrigado pela companhia tão divertido e por cuidar de meus amigos quando eles precisaram. Obrigado por nos proteger. Eu gostaria que esses dias nunca mais acabassem, e... É. Acho que eu sou uma criança muito feliz.
Hal terminou de agradecer e abriu os olhos, mas percebeu que a estrela continuava no céu cada vez mais próxima, como se viajando pelas galáxias. Ela então emanou um brilho mais forte e caiu da estratosfera diretamente no meio da mata, no topo da montanha ao lado da mansão, causando um estrondo e um clarão forte como se fosse um trovão.
Ele não sabia bem o que era, mas queria descobrir mais do que tudo.


   

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